Alguns esperavam que Barack Obama, novo presidente dos Estados Unidos, nomeasse uma equipa económica profundamente renovada a fim de levar a cabo um New Deal. Obama ia mudar o capitalismo, na impossibilidade de aboli-lo, e proceder a uma nova vaga de regulação da economia. Mas, na verdade, Obama escolheu os mais conservadores de entre os conselheiros democratas, os mesmos que organizaram a desregulamentação furiosa quando Bill Clinton era presidente no fim dos anos 1990. A coerência da sua escolha, através de três nomes emblemáticos, é reveladora.
Em posição de destaque, Robert Rubin é secretário do Tesouro entre 1995 e 1999. Desde a sua chegada, é confrontado com a crise financeira no México, primeiro grande malogro do modelo neoliberal nos anos 1990. Em seguida, impõe com o FMI um tratamento de choque que agrava as crises ocorridas na Sudeste Asiático em 1997-98, depois na Rússia e na América Latina em 1999. Rubin continua a não duvidar dos benefícios da liberalização e contribui resolutamente para impor às populações dos países emergentes políticas que degradam as suas condições de vida e aumentam as desigualdades. Nos Estados Unidos, utiliza todo o seu peso para obter a abrogação do Glass Steagall Act, ou Banking Act, em vigor desde 1933, que nomeadamente declarou incompatíveis os ofícios de banco de depósitos e de banco de investimentos. A porta está então aberta de par em par para todas as espécies de excessos por parte de financeiros ávidos de lucros máximos, tornando possível a crise internacional actual. Para fechar o círculo, esta abrogação do Banking Act permite a fusão do Citicorp com o Travelers Group para formar o gigante bancário Citigroup. Seguidamente, Robert Rubin torna-se um dos principais responsáveis do Citigroup… que o governo dos Estados Unidos acaba de salvar com urgência em Novembro de 2008 dando garantias para mais de 300 mil milhões de dólares de activos! Apesar disso, Rubin é um dos principais conselheiros de Barack Obama.
Segunda personalidade em cena, Lawrence Summers herda por seu lado o posto de director do Conselho Económico Nacional da Casa Branca. O seu percurso comporta no entanto diversas manchas que deveriam ser indelévéis… Em Dezembro de 1991, então economista chefe do Banco Mundial, Summers ousa escrever numa nota interna: «Os países subpovoados de África estão amplamente subpoluídos. A qualidade do ar é aí de um nível inutilmente elevado em relação a Los Angeles ou México. É necessário incentivar uma migração mais significativa das indústrias poluentes para os países menos avançados. Certa dose de poluição deveria existir nos países onde os salários são mais baixos. Penso que a lógica económica que acarreta que massas de desperdícios tóxicos sejam derramadas onde os salários são mais fracos é imparável. […] A apreensão [a propósito dos agentes tóxicos] será obviamente muito mais elevada num país onde as pessoas vivem bastante tempo para apanhar cancro que num país onde a mortalidade infantil é de 200 para 1.000 aos cinco anos» [1]. Acrescenta mesmo, em ainda 1991: «Não há […] limites para a capacidade de absorção do planeta susceptíveis de nos bloquear num futuro previsível. O risco de um apocalipse devido ao aquecimento do clima ou qualquer outra causa é inexistente. A ideia de que o mundo corre para a sua perda é profundamente falsa. A ideia de que deveríamos impor limites ao crescimento devido a limites naturais é um erro profundo; é, além disso, uma ideia cujo custo social seria espantoso se por acaso fosse aplicada» [2]. Com Summers no comando, o capitalismo produtivista tem um belo futuro.
Tornado secretário do Tesouro sob Clinton em 1999, faz pressão sobre o presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, para que este se desembarace de Joseph Stiglitz, que lhe sucedeu no posto de economista chefe e que é muito crítico acerca das orientações neoliberais que Summers e Rubin levam a cabo nos quatro cantos do mundo onde se acendem incêndios financeiros. Após a chegada de George W. Bush, prossegue a sua carreira tornando-se presidente da Universidade de Harvard em 2001, mas destaca-se particularmente em Fevereiro de 2005 pondo-se de costas com toda a comunidade universitária após uma discussão no Gabinete Nacional da Investigação Económica (NBER) [3]. Interrogado sobre as razões pelas quais se encontram poucas mulheres num posto elevado no domínio científico, afirma que estas são intrinsecamente menos dotadas que os homens para as ciências, afastando como explicações possíveis a origem social e familiar ou uma vontade de discriminação. Isso provoca uma grande polémica [4] tanto dentro como fora da universidade. Apesar das suas desculpas, os protestos de uma maioria de professores e estudantes de Harvard obrigam-no a demitir-se em 2006.
Se a sua responsabilidade na situação actual ainda não foi provada, a sua biografia consultável no sítio da Universidade de Harvard aquando da sua presidência afirma que «dirigiu o esforço de aplicação da mais importante desregulamentação financeira destes últimos 60 anos». Não é possível ser mais claro!
A terceira personalidade escolhida por Obama, Timothy Geithner, acaba de ser nomeada secretário do Tesouro. Actualmente presidente do Banco Central de Nova Iorque, foi subsecretário do Tesouro responsável pelos Negócios Internacionais entre 1998 e 2001, adjunto sucessivamente de Rubin e de Summers, e activo nomeadamente no Brasil, no México, na Indonésia, na Coreia do Sul e na Tailândia, outros tantos símbolos das devastações do ultraliberalismo que conheceram graves crises durante este período. As medidas preconizadas por este trio infernal fizeram pagar o custo da crise às populações destes países. Rubin e Summers são os mentores de Geithner. Hoje, o aluno junta-se aos seus mestres. Ninguém duvida que vá continuar a defender as grandes instituições financeiras privadas, surdo aos direitos humanos fundamentais, achincalhados nos Estados Unidos como noutros lugares em decorrência das políticas económicas que defende com veemência.
Pretender re-regular uma economia mundial desorientada dando as alavancas de decisão aos que a desregularam à força equivale a querer apagar um incêndio recorrendo a bombeiros pirómanos.
[1] Extractos foram publicados por The Economist (8 de Fevereiro de 1992) bem como por The Financial Times (10 de Fevereiro de 1992) sob o título “Preservem o planeta dos economistas”.
[2] Lawrence Summers, por ocasião da Assembleia Anual do Banco Mundial e do FMI em Banguecoque em 1991, em entrevista com Kirsten Garrett, “Background Briefing”, Australian Broadcasting Company, segundo programa.
[3] Financial Times, 26-27 de Fevereiro de 2005.
[4] A polémica foi alimentada igualmente pela desaprovação do ataque lançado por Summers contra Cornel West, um universitário negro e progressista, professor de Religião e de Estudos Afro-americanos na Universidade de Princeton. Summers, notório pró-sionista, denunciou West como anti-semita porque este apoiava a acção dos estudantes que exigiam um boicote de Israel enquanto o seu governo não respeitasse os direitos dos palestinianos. Ver Financial Times de 26-27 de Fevereiro de 2005. Hoje, Cornel West, que apoiou Obama com entusiasmo, surpreende-se que este se tenha rodeado de Summers e Rubin. Ver Cornel West on the Election of Barack Obama: “I Hope He Is a Progressive Lincoln, I Aspire to Be the Frederick Douglass to Put Pressure on Him”, Democracy Now!, 19/11/2008.
http://infoalternativa.org/spip.php?article328
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