sexta-feira, janeiro 23, 2009

Governo utiliza empresas públicas para reduzir o défice orçamental, endividando-as e arrastando-as para a situação de falência técnica

Os principais jornais diários portugueses divulgaram recentemente em grandes “caixas”, alguns deles na 1ª página, que as dívidas das empresas públicas atingiam 17.500 milhões de euros. E, como é habitual em muitos media portugueses, não explicaram por que razão isso acontecia, podendo criar nos leitores a falsa ideia de que isso resultava de serem empresas públicas. Está-se assim perante aquilo a que Phillipe Breton designa por “enquadramento manipulatório”, pois uma análise objectiva das causas de tais dívidas leva a conclusões bem diferentes.
Existem impostos cuja cobrança se justifica porque são necessários precisamente para financiar as infra-estruturas dos transportes. São, nomeadamente, o Imposto Automóvel (IA), agora designado Imposto sobre os Veículos (ISV), e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP). No período 2005-2009, as receitas obtidas pelo Estado através do IA/ISV e do ISP deverão atingir 20.051,6 milhões de euros, de acordo com os dados dos Relatórios dos OE 2005-2009.
Apesar de arrecadar mais de 20.000 milhões de euros de receitas com estes dois impostos, as dotações orçamentais atribuídas por este governo às empresas públicas de transportes para o financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante têm sido manifestamente insuficientes. Entre 2005 e 2009, as transferências do Orçamento do Estado para as empresas públicas de transportes (REFER, CP, Carris, Metro, etc.), para financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante, atingirão apenas 2.289,5 milhões de euros. Como consequência, as empresas públicas de transportes serão obrigadas a endividarem-se em mais 3.773 milhões de euros (mais 63% do que o transferido do Orçamento do Estado), no período 2005-2009, só para poderem cumprir o programa de investimentos constante do PIDDAC, ou seja, o programa mais importante de investimentos do Estado.
Como consequência da insuficiência das transferências do Orçamento do Estado, as dívidas aos bancos apenas de quatro empresas públicas de transportes (REFER, CP, Carris e Metro de Lisboa) atingiam, já no fim de 2007, 7.983,2 milhões de euros, e os juros pagos por estas empresas totalizaram, só em 2007, 444,7 milhões de euros. Estes elevados montantes de juros contribuíram para que estas quatro empresas tivessem tido, em 2007, 532 milhões de euros de prejuízos. Esta situação provocou que estas quatro empresas públicas apresentassem em 2007 “Situações Líquidas” e “Capitais Próprios” negativos, isto é, o seu “Activo” (aquilo que possuíam mais o que tinham a receber) já não era suficiente para pagar o seu “Passivo” (tudo o que deviam), pois o seu “Passivo” já era superior ao seu “Activo” em 3.272,5 milhões de euros, o que significava que, já em 2007, aquelas quatro empresas estivessem tecnicamente falidas. É arrastando as empresas públicas de transportes para a situação de falência técnica que este governo tem conseguido também reduzir o défice orçamental.
Mesmo as indemnizações compensatórias que as empresas de transportes públicas têm direito a receber por prestarem à população serviços a um preço inferior ao seu custo são pagas “tarde e a más horas”. Por ex., as de 2008 só começaram a ser pagas a partir de Outubro deste ano (Parecer do Tribunal de Contas, pág. 7), o que agravou as dificuldades financeiras destas empresas.
Uma das mensagens que este governo e os seus defensores nos media têm procurado fazer passar é que as empresas públicas são um “sorvedouro” de dinheiro para o Orçamento do Estado. No entanto, de acordo com o Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2007, no período 2003-2007, as despesas do Estado com “apoios financeiros não reembolsáveis” às empresas públicas atingiram 5.655 milhões de euros, mas às empresas privadas já somaram 6.694,1 milhões de euros, ou seja, mais 1.000 milhões de euros (pág. 104). Portanto, o apoio financeiro do Estado às empresas privadas foi bastante superior ao concedido às empresas públicas. Por isso, não se pense que este apoio só teve lugar recentemente (mais de 24.000 milhões à banca, mais de 1.300 milhões de euros à Quimonda e sector automóvel, etc.). Normalmente, os media falam do apoio do Estado às empresas públicas mas “esquecem-se” de falar, fora de períodos de crise como é o actual, do apoio do Estado às empresas privadas. É a informação de dois pesos e de duas medidas que temos em Portugal.
http://infoalternativa.org/spip.php?article447

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