quinta-feira, fevereiro 19, 2009

ECONOMIA E PSICOLOGIA

Nos últimos meses, o saudável entendimento burguês do quotidiano tem-se interrogado repetidamente por que não puderam os peritos de topo prever a mais grave crise desde há 80 anos, ficando tão surpresos com ela como o homem comum. A razão para esta falha deve ser procurada no facto de a economia oficial não dispor de conceitos teóricos para poder perceber o potencial de auto-contradição no interior do desenvolvimento capitalista em geral. Ao contrário da crítica da economia política de Marx, ela vê o processo de valorização como uma lei quase-natural, sem contradições. É por isso que ela não se preocupa com o contexto de "trabalho social total", formação do valor e sistema de crédito. Em vez disso, ela trata apenas de “factores” exteriormente relacionados. Nesta perspectiva, a produção de um derivado financeiro é tão real como a produção de uma máquina de lavar roupa, até prova em contrário. Nas chamadas contas nacionais são apenas registados empiricamente os fluxos de renda em dinheiro, não importando a sua origem.
Com base nesta anti-ciência, houve apenas alguns inconformados que ultimamente reconheceram pelo menos um desencontro nos dados empíricos, de modo que puderam prever a insustentabilidade da bolha hipotecária e a sua ruptura, não conseguindo, contudo, prever o impacto disso do conjunto do sistema. A grande maioria dos economistas calculava alegremente que a conjuntura global de deficit continuaria nos próximos anos, nalguns casos até lá para 2020. A embaraçosa vergonha destas previsões já é coisa do passado. Agora, a crise é explicada "psicologicamente", porque não pode haver nenhuma contradição objectiva no sistema. Fiel ao lema de que a economia é "90 por cento psicologia" reduz-se o desastre financeiro a comportamentos subjectivos errados, de que não se teria querido saber, e aqui aplica-se bem a sabedoria dos nossos avós de que os malabaristas financeiros e os seus clientes de algum modo viveram para além dos seus meios. Por outro lado, o Estado tem de criar de novo “confiança” entre os actores psicologicamente deprimidos, através de garantias e apoios conjunturais. Então o clima económico recuperará novamente.
Do ponto de vista da teoria da crise de Marx, na economia das bolhas financeiras dos últimos 20 anos foi-se acumulando uma desvalorização que se situa no limite interno da valorização real. A sensibilidade dos agentes económicos não tem nada a ver com isso. Tanto os economistas como os práticos da gestão sentem naturalmente que desta vez a terapia da psicologia económica poderia ser um completo fiasco. Mas não podem dizer isso em voz alta, pois, caso contrário, seria declarada uma profecia negativa auto-preenchida pelo suposto alarmismo, pois por esta via eles estariam a mandar de novo abaixo a recuperação psicológica. Assim, os institutos económicos dependentes dos subsídios e portanto do bom comportamento político já se põem a prever o fim da crise e já descortinam imaginários horizontes radiosos. Quando estas esperanças, retiradas por magia da cartola, cairem novamente em desgraça, os peritos poderão exigir pelo menos um prémio de lealdade pelo seu conveniente optimismo profissional. Então ficará definitivamente claro que a ciência económica usa um nome falso.
Robert Kurz
http://obeco.planetaclix.pt/

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