Quando tudo parecia perdido, a Realidade devolveu-nos a Esperança.
Numa sociedade do tipo anglosaxónico, figuras como Sócrates, Constâncio, Dias Loureiro, Valentim Loureiro, Paulo Pedroso, Pinto da Costa, ou Lurdes Rodrigues, entre outras, já teriam sido compulsivamente retiradas do Cenário Político.
Na América, por causa de um broche, que, no fundo, toda a gente invejava, puseram Clinton por um fio. Houvesse um Caso do Diploma , e Sócrates teria sido imediatamente trucidado pelo Congresso Americano, ou pela Câmara dos Comuns, do Reino Unido. O "Freeport" não é mais do que um escândalo da nossa menoridade, no Cenário Mundial: um país paralisado, completamente enredado nas teias de cumplicidade, compadrio e chantagem que unem os "compadres", gerido por Sociedades Secretas, com a Justiça perigosamente aliada com os Clubes Políticos, a Comunicação Social debaixo de uma pressão só comparável aos regimes do tipo Cubano, Russo ou Birmanês, melhor, uma Comunicação Social do tipo "Português" (passámos de epígonos a mestres...), onde a merda do Futebol e as notícias de canto dos achaques da velhinha de Entrefolhos ocupam meia hora, enquanto a Realidade se desfia, inexorável, pelas tiras dos rodapés... enfim, parece que A Mais Velha Aliança teve de intervir, e vir, de fora -- escândalo dos escândalos -- impor uma peritagem judicial e policial a um Estado que vive fora da Lei.
Não me interessa se a coisa se chama "Freeport", ou o que quer que seja, se Sócrates e Vara geriam o Saco Azul do P.S., se mete Jeovás, mães e tios, ou sobrinhos descarados e completamente liquidados politicamente, a gravidade da coisa foi ter acontecido, em Portugal, algo semelhante ao que Baltazar Garzón fez com as Repúblicas das Bananas: "suddenly", houve uma Potência, com fortíssimas tradições de Justicialismo, Legalismo e Intervenção Cívica que decidiu, face à paralisia e impotência de um Estado vizinho, intervir, imiscuindo-se nos seus assuntos internos, e, de uma penachada, atirando-nos para a prateleira dos Estados-Párias, como Angola, o Zimbabwé ou a Somália.
É um facto muito grave, e anuncia uma rotura de paradigma, que um Estado outro intervenha em Portugal, colocando diretamente sob suspeita um indivíduo que é seu Primeiro-Ministro.
Em nada disto há arrufos de Nacionalismo: há a preocupação de um cidadão europeu, eu, a finalmente constatar, preto no branco, que o Estado de Direito, e o princípio fundamental da Democracia, a Paridade de todos perante a Lei, não é cumprida nos 90 000 Km2 onde habita, ou seja, que já não somos, em nada, Europeus, já que até nos tiraram o direito e o dever de exercer o nosso próprio saneamento e justiça internos.
É bem feito.
Há muito tempo que andamos a brincar a ser país, e pensávamos que vivíamos no tempo do Orgulhosamente Sós: numa só tarde, a Inglaterra atirou-nos para o palco do Vergonhosamente Acompanhados, e eu tenho, hoje, mais uma vez, como intelectual e escritor, o desgosto de sentir que todos os dias, todas as horas, todas as noites, todos os instantes do meu desassossego, não tenham sido suficientemente motivadores, para fazerem acordar uma Sociedade entorpecida, levando-nos a cair nos holofotes do vexame de ter de vir uma mão externa, para colocar ordem numa coisa que se tornou insuportável, quer a eles, quer a nós, insuportável.
É bom saber que alguém zela por nós, e horrível sentir essa sensação de demissão histórica: estes indivíduos, melhor, esta corja, conseguiu retirar-nos o pouco que ainda tínhamos, que era o poder acordar de cabeça erguida, e dizer, "cá dentro ainda temos a dignidade de poder tratar dos nossos próprios assuntos".
O resto são consequências, ou conhecendo eu como conheço este lugar triste, delírios: uma Assembleia da República, que através de uma maturidade cívica poderia, e deveria, assumir que já não pode, nem deve, suportar um Governo sob suspeita internacional, e fazê-lo cair através de um ato simples, como a aprovação, deputado a deputado, cidadão a cidadão, do Epitáfio de Lurdes Rodrigues, exemplarmente redigido por uma das poucas forças que realmente ainda ousa fazer Oposição ao horror em que caímos. Explicitando, refiro-me à iniciativa do CDS/PP, de suspender a excrescência jurídica e aberração legislativa que é a tramitação da "Avaliação" da Classe Docente: 140 000 professores e seus arredores, enfim, a população de Coimbra, mais coisa menos coisa.
Se a "Avaliação" não passar, o Governo cai, e Lurdes Rodrigues ficará ligada, não, como queria, a uma "Reforma" do Ensino, mas à queda de um Governo, o SEU próprio Governo, e isso seria notável: seria a prova de que, curiosamente, poderíamos estar a alcançar o limiar de um primeiro esboço de Consciência Cívica.
Como nos furacões, todavia, isso poderão ser apenas os primeiros ventos. Aquelas figuras pardas políticas, que se têm vindo a levantar dos respetivos caixões, uns augustos santos silvas e um não sei quantos martins, bem podem tentar segurar as rédeas: dia 24, defronte do Palácio de Belém, onde reside outra pobre menoridade da nossa História, também já se anuncia uma multidão, que irá, -- pois, nem mais... -- assumidamente, pedir a dissolução do Parlamento.
A par disto, o clima é tal que o argumento de que "mas quem é lá vamos pôr a seguir?..." perdeu toda e qualquer atualidade: é agora completamente irrelevante o que venha a seguir, porque o importante é que saia o que já não presta de forma alguma. É como se tivéssemos uns chinelos, totalmente rotos, e que já houvessem perdido as solas, só ficando com as fibras do peito do pé. Para quê insistir em calçar uma coisa cuja função era proteger-nos as solas dos pés, mas, afinal, já só nos faz peso nos peitos dos mesmos, e nos põe diariamente a tropeçar?...
Senhores Deputados, Cidadãos da República e Membros da Nação: vamos, hoje, assumir a nossa responsabilidade de quase 900 Anos de História, e decidir o nosso próprio destino, ou iremos permitir o sabor amargo de ter de ser um Estado, que não o nosso, a obrigar-nos a mudar de Governo?...
A decisão é vossa, e também nossa, é o próprio rosto da Lusitaneidade, com todas as grandes sombras históricas, que nos fizeram grandes, a observar, hoje, o peso imenso do que fizermos.
Eu tenho vergonha do "Freeport", e vergonha de que Ser Português se tenha tornado neste insuportável vexame público... sim... não... não, eu não gostaria de voltar a viver um justo segundo "Ultimatum"... Não, de facto, não gostaria, e acho que estou no meu direito. Eu e mais 10 000 000 de concidadãos.
braganzamothers.blogspot.com
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