(Resposta a um inquérito do editor da “Konkret”, Hermann L. Gremliza, feito a autores de esquerda, sobre o seu comentário acerca da crise na edição de Janeiro)
O capitalismo, como se sabe, tem as suas grande crises. Mas tem de ser logo agora? Assim, apanhados completamente de surpresa, só podemos esperar que o autocarro seguinte continue a chegar, tal como o gás da Rússia, a água canalizada e, sobretudo, os jogos da televisão ao sábado no primeiro canal. No entanto já nada está seguro. Porque neste mundo só podem existir as coisas que são financiáveis; seja serviço de pedicuro ou carne de porco, moradia geminada ou operação ao apêndice, comida para cães ou telenovela. E só é financiável exactamente o que serve a valorização do capital, ou dela deriva. Se isto deixa de funcionar, fica tudo parado, apesar de continuar tudo aí. Até mesmo o último comunista em Wedding [Bairro de Berlim, Nt. Tr.] ainda concebe que a Siemens ou o Commerzbank fechem. Mas, e se todo o modo de produção abre falência, porque desenvolveu forças produtivas e destrutivas para lá da capacidade da sua "forma louca"? Isso é inconcebível.
Ao que parece, a esquerda radical tem problemas com o seu capitalismo. Ele não se comporta de forma tão de acordo com o marxismo vulgar como deveria. Nem foi a multitude que orquestrou esta crise, nem qualquer burguesia. E já nem o Estado, incluindo todos os seus corais políticos, parece lá muito soberano. O que nos entra portas adentro, como flocos de neve, não tem qualquer sujeito, muito menos político. Esse é que é o escândalo. Aparentemente, os próprios capitalistas têm problemas com o seu capitalismo. Que desagradável, se o "sujeito automático" já não pode tanto assim como pretendem os dominantes. Devem agora Monsieur ou Madame capital ser presos? Nem queremos pensar em tal paradoxo. A burguesia há-de maquinar alguma ideia. Guerra, por exemplo, como o último comunista em Wedding já bem conhece. Infelizmente, a guerra é agora ou um número demasiado pequeno ou um número demasiado grande para poder desencadear a acumulação. Além disso, já tivemos a conjuntura de deficit. Então, basta economia de guerra sem guerra, ou seja, hiperinflação.
A isto pode também chamar-se desvalorização do valor, a saber, a desvalorização da força de trabalho, dos meios de produção, das mercadorias e do dinheiro, tudo de uma vez. Isso já nem pode passar pela cabeça ao último comunista em Wedding. Ele só conhece a burguesia e o proletariado que, numa história quase interminável do ciclo de prosperidade e crise, sempre e apenas interpretaram de maneira diferente o valor e a sua valorização. No entanto, alguma coisa aconteceu. Na fase inicial idealista da sua revolução, os bolcheviques tinham provocado deliberadamente uma inflação, para desacreditar o dinheiro. Isso rapidamente foi revertido, porque as massas empobrecidas só queriam trabalho e dinheiro, e não a emancipação do fetiche do capital. O bem-intencionado, infelizmente, é o contrário da arte. Agora, porém, é o próprio "sujeito automático" que promove a desvalorização; automático, porque as massas, mesmo de novo empobrecidas continuam a ansiar por nada mais do que trabalho e dinheiro. O fim da história sem fim está à vista. E todos lá estarão, embora ninguém queira ir. O Zimbabwe é o país do futuro.
Robert Kurz
http://obeco.planetaclix.pt/
Sem comentários:
Enviar um comentário