As palavras mágicas imitam o pensamento e disfarçam a vacuidade de ideias: são usadas por quem finge que pensa usando palavras e expressões que leu ou ouviu algures, sem que se tenha dado realmente ao trabalho de pensar — nem sequer uma vez, quanto mais outra vez. Eis alguns exemplos:
"modernidade", "construção", "problematizar", "problemática", "mediar",
"mediatizar", "questionar", "questão", "questionamento", "paradigma",
"identidade", "dimensão". Nem sempre estas palavras são usadas como magia lexical, mas a probabilidade de o serem é tanto maior quanto maior for a sua frequência por centímetro quadrado de texto.
Por exemplo, qual é a diferença exactamente entre um problema e uma problemática? Apenas a impressão de maior vagueza, e portanto de nos safarmos melhor usando palavras prestigiantes sem dizer coisa alguma de palpável. Um problema é algo razoavelmente definido que nos exige pelo menos uma tentativa de solução, e cuja solução depende em grande medida de sermos capazes de o formular com precisão. Uma problemática, ao invés, é um novelo arbitrário de palavras que convidam apenas à aristocrática dissertação ociosa e pretensamente culta, onde nenhuma ideia susceptível de discussão genuína se encontra.
E o que é um paradigma? No seu uso corrente, é apenas um modelo de algo. Leibniz é um modelo ou paradigma de filósofo, Bach de músico. Mas, para nossa desgraça e felicidade dos mágicos lexicais, Thomas Kuhn (1922–1996) envolveu esta mesma palavra em magia negra, mudando-lhe o significado e caindo no goto dos preconceitos relativistas actuais: “paradigma” é agora uma palavra mágica que sugere sofisticação intelectual e a superação de supostas ilusões objectivistas. Pretensas ilusões que nunca são cuidadosamente refutadas: a magia da palavra é em si suficiente e apenas se presume que é inculto quem declarar que não era realmente verdade que a Terra estava imóvel no tempo de Ptolomeu só porque ele e outras pessoas assim o pensavam. Do ponto de vista do dogma contemporâneo, é tudo uma questão de paradigmas: cada época histórica tem o seu. Ironicamente, o paradigma da mentalidade actual é pensar que cada época histórica tem o seu próprio paradigma ou maneira incomensurável de ver as coisas, mas esta mesma ideia não é surpreendentemente vista como um mero paradigma, mas antes como a verdade imparadigmática sobre os paradigmas dos outros. É mesmo magia.
“Mediar” e “mediatizar” são mais dois exemplos de afasia cognitiva. São termos que dão uma aparência de substância ao tipo de trabalho intelectual que na gíria universitária de antigamente se chamava honestamente “corte e costura”: consiste em tirar umas palavras daqui e outras dali, misturar tudo e servir triunfantemente como reflexão original o que não passa de regurgitação ritual do que outros digeriram. Chama-se também “dissertação” a este canibalismo do verbo alheio.
Para pensar outra vez é preciso começar por eliminar o entulho verbal das palavras mágicas, e quanto mais depressa o fizermos, melhor.
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