quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Sátira aos HOMENS quando estão com gripe

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele,
Grito de medo, chamo a mulher,
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer.
Tira-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte, nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças,
Tigres sem listas, bodes sem tranças,
Choros de coruja, risos de grilo,
Ai Lurdes, Lurdes, fica comigo.
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a santinha na cabeceira,
Compõe-me a colcha, fala ao prior,
Pousa Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes, nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes, que fico só,
Aqui sózinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes, que vou morrer.

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

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