Logo à noite, na SIC, poder-se-á ver o primeiro de dois episódios de uma “mini-série” sobre a “vida privada de Salazar”. A avaliar pela apresentação que o canal de Carnaxide tem feito da “série” e da “vida”, tudo andará à volta dos casos escaldantes que o cada vez menos defunto ditador terá tido com várias senhoras tão ou mais lânguidas que o homem de Santa Comba. Percebe-se que a governanta e as afilhadas de Salazar serão presença incontornável na trama, mas desconhece-se de que modo esta incursão na vida privada, e para além da luxúria, nos ajudará, eventualmente, a conhecer e a perceber melhor Oliveira Salazar. Ainda que a série seja obra de ficção, será interessante ver qual a sua fundamentação histórica e historiográfica (se a base do argumento for um livro de Felícia Cabrita publicado há uns anos pela Editorial Notícias a coisa redundará em desastre). Mas sobretudo, estou curioso em saber qual será seu grau de verosimilhança, bem como o juízo histórico sobre Salazar que os telespectadores poderão fazer segunda-feira ao fim da noite, para além daquela que será a dos próprios autores da série.
Visto isto devo dizer que as minhas expectativas em relação à “Vida Privada de Salazar” são baixas. Não por causa da heterodoxia do tema e a aparentemente superficial e óbvia abordagem de uma “dimensão” da vida privada do ditador, mas porque a ficção portuguesa nas televisões (já para não falar no cinema) é, normalmente, muito má, como atestam as famigeradas telenovelas, as séries infanto-juvenis, os telefilmes ou séries para adultos actualmente em exibição como Equador (TVI), Liberdade 21 (RTP) ou Conta-me Como Foi (de uma pobreza particularmente confrangedora se comparada com a homónima espanhola em exibição na TVE). Genericamente, e mesmo quando há boas ideias, bem produzidas, os enredos, as personagens e os diálogos são de uma pobreza aflitiva. Esta triste realidade não apenas não permite que se conquistem novas audiências, como põe em causa carreiras de actores ditos consagrados ou impede que novos se afirmem fora do universo popularucho (refiro-me à qualidade do gosto e não à extracção social das audiências) que sustenta boa parte das audiências dos canais generalistas.
Num outro plano, histórico-político, mas que é também comercial, merece que se destaque a importância cada vez maior que Salazar assume na sociedade portuguesa. Ao fazer esta afirmação não pretendo concluir que exista um ambiente propício ao advento de novos Salazares, ou que o pensamento e a acção de Salazar tenham lugar nos dias de hoje, embora num e noutra exista muito que merece reflexão e consideração pela sua natureza universal e intemporal (passo a redundância).
Por fim, e ainda que em planos diferentes, esta série da SIC, tal como o concurso da RTP sobre os “Grandes Portugueses” ou a colecção Os Anos de Salazar produzido pela Planeta DeAgostini, para além do permanente frenesim editorial “normal” em torno de Salazar, de Marcello Caetano e das suas épocas, demonstram não apenas que há muito a aprender sobre Salazar e o seu tempo e que os portugueses querem saber mais sobre ambos, da mesma forma que há quem queira, legitimamente, aproveitar este negócio de alguns milhões, mas, e sobretudo, que muito pouca gente se sente satisfeita com as versões políticas (e pseudo-históricas) tradicionais sobre a história da Ditadura Militar e do Estado Novo, versões essas que as oposições e apoiantes daqueles regimes puseram a correr desde o longínquo ano de 1926. Os portugueses querem mais, querem diferente e querem melhor, independentemente da qualidade daquilo que os diferentes media vão dizendo sobre a história portuguesa entre 1926 e 1974. Mais ainda, eu diria que muitos portugueses querem rever tudo aquilo que foi dito e escrito, nomeadamente sobre Oliveira Salazar, para depois decidirem. No fundo era sobre isto que eu queria falar. A série da SIC que começa logo à noite foi apenas um pretexto.
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