sexta-feira, março 13, 2009

As políticas de desastre económico

Todos os dias leio mais um economista, um jornalista ou um membro de governo dando a sua opinião sobre como melhor conseguir a recuperação económica neste ou naquele país. Não é preciso dizer que todos os remédios se contradizem uns aos outros. Mas quase todos estes especialistas parecem estar a viver no reino da fantasia. Eles parecem realmente acreditar que os seus remédios vão funcionar num período de tempo relativamente curto.
O facto é que o mundo está só no início de uma depressão que vai durar por um bom tempo e vai ficar muito pior do que está agora. Para os governos, a questão mais premente não é como recuperar, mas como sobreviver à crescente cólera popular que todos, sem excepção, estão a enfrentar.
Vamos começar com as realidades económicas do presente. Por todo o mundo, quase todos – governos, empresas, indivíduos – têm andado a viver acima dos seus rendimentos nos últimos 10-30 anos, recorrendo a empréstimos. O mundo ficou eufórico com rendimentos e consumo inflacionados. As bolhas têm de estourar. Esta estourou agora (ou, na verdade, várias bolhas estouraram). A impossibilidade de prosseguir nesta via entrou profundamente nas consciências, e subitamente todos ficaram com medo de se verem sem dinheiro vivo – governos, empresas, indivíduos.
Quando esse medo se instala, as pessoas deixam de gastar, ou de emprestar. E quando o gasto e o empréstimo declinam significativamente, as empresas deixam de produzir ou abrandam. Podem fechar totalmente, ou pelo menos despedir trabalhadores. Isto é um ciclo vicioso, já que fechar ou despedir trabalhadores leva à queda da procura e causa mais relutância em gastar ou emprestar. Chama-se depressão e deflação.
Por enquanto, o governo dos Estados Unidos, que ainda está em condições de pedir emprestado e de imprimir dinheiro, tenciona lançar dinheiro novo em circulação. Isto poderia funcionar se o governo lançasse uma quantidade enorme, e a lançasse de forma sábia. Mas, muito provavelmente, não vai fazê-lo sabiamente. E, muito provavelmente, lançar o montante que pudesse funcionar monta a nada menos que criar outra bolha. E o dólar poderia então realmente cair muito mais rapidamente que outras moedas, derrubando o último importante sustentáculo da economia-mundo.
Entretanto, há cada vez menos dinheiro para o consumo diário de todos os géneros para os 90% da população mundial que estão na base da pirâmide (e não é tão bom para os 10% do topo). As pessoas estão a ficar inquietas. Só no último mês, vimos pessoas nas ruas protestando contra as dificuldades económicas num crescente número de países – Grécia, Rússia, Letónia, Grã-Bretanha, França, Islândia, China, Coreia do Sul, Guadalupe, Reunião, Madagáscar, México – e provavelmente muitos mais que não foram noticiados pela imprensa mundial. Na verdade, as coisas têm sido relativamente suaves até agora, mas os governos estão todos na corda bamba.
Que fazem os governos quando a sua principal preocupação é lidar com a agitação interna? Têm na verdade duas escolhas – disparar sobre os manifestantes, ou apaziguá-los. Disparar só dá resultado até um certo ponto. Antes de mais, os agentes da força devem eles próprios ser muito bem pagos para estarem dispostos a fazê-lo. E quando há um sério retrocesso económico, não é assim tão fácil para os regimes tratar disso.
Assim, os regimes começam a apaziguar as suas populações. Como? Em primeiro lugar, através do proteccionismo. Todos começaram a queixar-se do proteccionismo de outros países. Mas os queixosos estão eles próprios todos a praticá-lo. E vão fazê-lo muito mais. Os economistas do livre mercado todos nos dizem que o proteccionismo torna ainda pior a situação económica global. Isso é provavelmente verdade, mas politicamente bastante irrelevante, quando há pessoas nas ruas a querer empregos – agora!
A segunda forma de os governos apaziguarem as pessoas quando há descontentamento, é através de medidas social-democratas de bem-estar social. Mas, para fazer isso, os governos precisam de dinheiro. E os governos arranjam dinheiro através dos impostos. Todos os economistas do livre mercado nos dizem que subir impostos (de qualquer tipo) durante uma retracção económica piora ainda mais a situação económica global. Isso pode ser verdade, mas no curto prazo também é irrelevante. Nessa situação, de retracção, as receitas fiscais caem. Os governos não conseguem sequer acompanhar os gastos correntes, para não falar de pagar gastos aumentados. Por isso, vão aplicar impostos de uma forma ou doutra. Ou vão imprimir dinheiro.
Finalmente, a terceira forma de apaziguamento é através de uma saudável dose de populismo. O fosso de rendimento real entre os 1% do topo e os 20% da base tanto no interior dos países como em todo o mundo cresceu enormemente nos últimos 30 anos. O fosso vai agora ser reduzido para o valor mais “normal” que existia em 1970, que ainda é muito grande, mas de certa forma menos escandaloso. Assim, temos agora governos a falar de “tectos de rendimento” para os banqueiros, como nos Estados Unidos e na França. Ou pode-se processar pessoas por corrupção, como na China.
É um pouco como estar no caminho de um tornado. O pior pode cair sobre os governos subitamente. Quando isso acontece, eles só têm minutos para procurar abrigo nas suas caves. O tornado então passa, e, se ainda se está vivo, sai-se para avaliar o estrago. O estrago revelar-se-á muito extenso. Sim, pode-se reconstruir. Mas então começa a verdadeira discussão – sobre como se reconstrói, e como se reparte justamente os benefícios da reconstrução.
Quanto tempo vai durar esta imagem sombria? Ninguém sabe ou pode ter a certeza, mas provavelmente será um bom número de anos. Entretanto, os governos vão enfrentar eleições, e os eleitores não serão simpáticos para os governantes. Proteccionismo e bem-estar social-democrata servem os governos da mesma forma que a cave serve durante um tornado. A quase-nacionalização dos bancos é outra forma de procurar abrigo nas caves.
No que nós, o povo, temos de pensar e de nos preparar é o que faremos quando sairmos da cave, quando quer que isso seja. A questão fundamental é como vamos reconstruir. Essa será a verdadeira batalha política. A paisagem será desconhecida. E todas as nossas retóricas passadas serão suspeitas. A questão-chave que teremos de compreender é que a reconstrução pode levar-nos a um mundo muito melhor – mas também nos pode levar a um muito pior. Em qualquer caso, será um mundo muito diferente.
http://infoalternativa.org/spip.php?article674

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