segunda-feira, março 09, 2009

Chomsky vê Obama como «o maior sucesso» do marketing

Barack Obama é um produto da «indústria de relações públicas, que governa as extravagâncias quadrienais denominadas eleições». A avaliação tem a assinatura do académico norte-americano Noam Chomsky, que, em entrevista ao site da RTP, desmonta a ideia de “mudança” da «marca Obama» e aponta a satisfação de «nacionalistas de direita» e «elites corporativas».
– No trajecto para a Casa Branca, Barack Obama apresentou-se como um agente de “mudança” e “esperança”. Muitos consideraram hipnótica a retórica do candidato democrata e grande parte da Europa viu em Obama uma figura histórica capaz de restaurar a ideia de uma América farol da liberdade e da democracia, longe da perspectiva do antigo secretário da Defesa Donald Rumsfeld, que opunha os Estados Unidos à “velha Europa”. Na realidade, o que é que a Europa e o resto do Mundo podem esperar do 44.º Presidente?
Pessoalmente achei a retórica irritante, não hipnótica.
A melhor descrição da sua campanha foi dada pela enorme indústria de relações públicas, que governa as extravagâncias quadrienais denominadas “eleições”. A principal publicação da indústria atribui um prémio à melhor campanha de marketing do ano. Em Dezembro deram-no a Obama, que bateu os computadores da Apple.
Figuras de topo da indústria ficaram maravilhadas com o sucesso do marketing da “marca Obama”, através dos mesmos métodos utilizados para vender pasta de dentes e automóveis: não pelo fornecimento de informação sobre o produto, como sabem todos os que já viram anúncios de televisão, mas antes pela ilusão, pela imagética e pela “retórica ascendente”.
Os executivos revelaram que têm vindo a comercializar candidatos como produtos desde a campanha de Reagan e que este foi o seu maior sucesso até à data. Vai ser um modelo para conselhos de administração e campanhas de publicidade, acrescentaram.
Eles comercializaram a “marca Obama” colocando a ênfase em alguns chavões vagos como “esperança” e “mudança em que pode acreditar”, enquanto ofereciam um cheque praticamente em branco no qual as pessoas poderiam inscrever os seus desejos e sonhos.
Os americanos não foram tão iludidos como os europeus. Talvez porque estão mais familiarizados com os anúncios comerciais.
Um facto assinalável sobre as eleições foi o de a margem de vitória ter sido tão pequena. Era expectável que o partido da Oposição conseguisse uma vitória larga, quando 80 por cento da população pensava que o país estava a caminhar na direcção errada, que tínhamos atravessado oito anos do pior desempenho económico de qualquer Presidente do pós-II Guerra Mundial, que a economia estava em colapso, que a posição dos Estados Unidos no Mundo tinha caído para um mínimo histórico e que virtualmente tudo aquilo em que a Administração Bush tocasse se transformaria numa catástrofe. Mas Obama perdeu entre os americanos brancos e, se a crise financeira tivesse sido adiada, poderia nem sequer ter vencido, embora tivesse de longe o maior financiamento, sobretudo da indústria financeira, que o preferia a McCain.
– Mas foi tudo apenas retórica e marketing, ou houve alguma substância na agenda de “mudança”?
Haverá certamente alguma mudança. Qualquer candidato se teria afastado do extremismo radical da Administração Bush.
Encerrar Guantánamo, permitir a investigação com células estaminais e alguns passos domésticos rumo ao centro que Obama tem empreendido são bem-vindos pelas elites corporativas. Não há muito mais a assinalar.
– O professor sublinhou, num texto recente, que as escolhas do Presidente Obama para o Executivo agradaram, de certa forma, aos republicanos. Há mesmo quem diga que até os neoconservadores estão a aplaudir. Que medida de “mudança” pode a nova Administração produzir se o gabinete de Obama está assim tão inclinado para um tal nível de consistência face a políticas anteriores?
Não há qualquer razão para supor que eles alguma vez tenham desejado muita mudança.
A crise económica assume agora a prioridade, é claro. Obama virou-se imediatamente para as pessoas que foram instrumentais ao criá-la: Robert Rubin, Lawrence Summers e outros como eles.
Eles vão instituir a mudança, sem dúvida, agora que as suas doutrinas fundamentalistas foram completamente refutadas. Vai haver, certamente, alguma regulação de instituições financeiras e instrumentos exóticos, talvez mais ainda se a economia que ajudaram a desenhar resvalar para a catástrofe.
Nos Negócios Estrangeiros, as escolhas de Obama agradaram, com efeito, aos nacionalistas de direita, compreensivelmente.
– Hillary Clinton como secretária de Estado, James Jones como conselheiro de Segurança Nacional, Dennis Blair como director de Informações e, finalmente, o secretário da Defesa de Bush, Robert Gates, perpetuado no cargo. Será esta equipa de segurança nacional a melhor escolha para promover a política internacional de “poder inteligente”? E terá o conceito algum significado real, à luz dos recentes acontecimentos na Faixa de Gaza?
Não há mais razões para esperar “poder inteligente” com Obama do que sob o segundo mandato de Bush, que foi muito diferente do primeiro, depois de extremistas do tipo de Rumsfeld, Wolfowitz e Feith terem sido expulsos: eles não puderam remover Cheney porque, essencialmente, ele era a Administração.
Gaza foi um bom teste. Obama permaneceu em silêncio sob o pretexto de que «há um único Presidente, o que não o impediu de falar sobre uma gama de outros assuntos, domésticos e internacionais.
Sabemos de fontes israelitas que a invasão foi meticulosamente planeada. Certamente pelo desenho, acabou imediatamente antes da tomada de posse, para que Obama pudesse produzir nada mais do que alguns chavões sobre a sua dor perante as baixas civis em ambos os lados.
O seu primeiro discurso sobre política externa recaiu sobre Israel e a Palestina. Ele é uma pessoa inteligente e as palavras foram cuidadosamente escolhidas. Depois de sublinhar que a segurança de Israel é a sua primeira preocupação, mencionou outra proposta substantiva: o apelo da Liga Árabe no sentido de uma solução de dois Estados nos termos do consenso internacional que os Estados Unidos e Israel têm bloqueado nos últimos 30 anos e, nesse contexto, a normalização de relações com Israel.
Obama omitiu o núcleo da proposta e exortou os Estados árabes a avançarem para a normalização. Dificilmente poderia ter afirmado de forma mais clara que está comprometido com o caminho de rejeição dos seus predecessores. É um assinalável salto de fé divisar qualquer recurso ao “poder inteligente” ou expectativa de “mudança”.
– Ao deixar a Casa Branca, George W. Bush disse várias vezes que aguardava um julgamento bondoso da História. O Presidente Obama quer desviar as forças militares dos Estados Unidos do Iraque para o Afeganistão. Poderá Bush obter o seu desejo, se a estratégia da Administração Obama para o esforço de guerra falhar?
É possível. No Afeganistão, Obama está a seguir políticas mais militaristas e violentas do que Bush e a ignorar por completo as alternativas pacíficas, que existem.
O Presidente Karzai terá provavelmente espelhado a opinião afegã quando, na sua primeira mensagem enviada a Obama, pediu o fim dos ataques contra civis e defendeu um calendário para a retirada das forças estrangeiras, sobretudo dos Estados Unidos. É claro que ele foi completamente ignorado, excepto na afirmação de que se estaria a tornar pouco digno de confiança e que poderia ter de ser afastado.
– Não deveria o Paquistão ser a prioridade?
Graças ao apoio de Ronald Reagan ao malicioso ditador Zia ul-Haq, o Paquistão foi significativamente “islamizado”, com o recrudescimento de correntes fundamentalistas radicais que têm causado danos severos ao país.
O Paquistão é agora vulgarmente descrito como o país mais perigoso do planeta e não de uma forma irrealista.
Inverter estes desenvolvimentos deveria ser uma prioridade muito alta. Não há sinais disso no planeamento de Obama. Na verdade, Afeganistão e Paquistão nem sequer apareceram entre os assuntos de política externa no site da campanha de Obama.
– A Administração Obama prometeu fazer vingar uma nova estratégia e gastar milhares de milhões de dólares – «dinheiro dos contribuintes», como o Presidente afirmou – para salvar a economia dos Estados Unidos. Até onde pode Barack Obama levar a promessa de uma estratégia que, nas suas próprias palavras, «faça o crédito fluir para empresas e famílias»?
Os economistas, de uma forma geral, mostram-se cépticos. Muitos recomendam um pacote de despesa muito mais alargado.
Os planos para resgatar o sistema bancário, que está quase na bancarrota, motivaram ainda mais cepticismo.
É incerto que alguma coisa possa ser feita, a não ser que o Governo assuma, basicamente, o controlo dos bancos, investigue os negócios ocultos e os obrigue a suster a economia ao invés de acautelar os interesses de directores e do núcleo dos accionistas ricos – ou passe a controlá-los por completo.
– Barack Obama veio a público com a ideia de um ataque contra «a arrogância e a ganância» em Wall Street. O Presidente dos Estados Unidos citou mesmo algumas firmas que, «enquanto se candidatavam à assistência dos contribuintes, pagaram vergonhosamente quase 20 mil milhões de dólares em prémios de 2008». Estará a equipa de conselheiros financeiros e económicos de Obama – e a sua escolha para o Tesouro, Timothy Geithner – à altura da tarefa?
O país está de tal modo indignado com Wall Street que está quase preparado para a desfazer em pedaços.
Qualquer Presidente estaria obrigado a ter algum gesto que indicasse que partilhava esses sentimentos. Obama fê-lo e impôs um limite de meio milhão de dólares para as compensações anuais de directores de bancos resgatados pelos contribuintes. No momento em que as regras estão a ser escritas, é incerto que venham a aplicar-se a mais do que uns poucos.
Quanto a saber se os conselheiros estão à altura da tarefa, depende do que for a tarefa. Eles poderão ser capazes de direccionar fundos públicos para reconstituir algo como o sistema de autoridade e privilégios que tão miseravelmente falhou na satisfação das necessidades do público e das gerações futuras.
PERFIL
Filósofo, linguista, literato, ensaísta, socialista libertário, Némesis do imperialismo e dos conservadorismos neo e clássico – são múltiplos os atributos e epítetos que encaixam na personalidade política ou no percurso profissional de Noam Chomsky, professor no Departamento de Linguística e Filosofia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) desde 1961.
Avram Noam Chomsky nasceu a 7 de Dezembro de 1928 em Filadélfia. O seu percurso académico começou a ser construído na Universidade da Pennsylvania, onde obteria o doutoramento em Linguística em 1955. A dissertação Transformation Analysis serviria de base a uma primeira monografia, Syntactic Structure, lançada em 1957. A primeira obra de relevo, The Logical Structure of Linguistic Theory, seria publicada em 1975.
A entrada para o quadro de professores do MIT acontece em 1955. De 1958 a 1959, Noam Chomsky reparte o trabalho académico entre Massachusetts e o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, em Nova Jérsia. Entre 1969 e 1972, multiplicam-se as conferências em Oxford, Cambridge, Nova Deli e Leiden.
Linguística, filosofia, história intelectual, política externa e doméstica dos Estados Unidos e assuntos contemporâneos são os temas que enformam a extensa obra de Noam Chomsky.
No campo político, o nome do professor de Linguística surge invariavelmente associado à esquerda libertária. No plano doméstico, as consciências político-ideológicas norte-americanas costumam arrumá-lo na incómoda estante do “liberalismo socialista”.
Chomsky terá atingido o cume da controvérsia nos Estados Unidos com a publicação, em 2002, da obra 9-11 (editado em Portugal com o título Nova Iorque, 11 de Setembro). No livro, que depressa ascendeu à condição de bestseller, o académico analisa o ataque ao World Trade Center: sem deixar de encarar a acção terrorista como um acto atroz, remete o leitor para os exercícios de poder concretizados ao longo da História pelos Estados Unidos, incluídos no conjunto dos “Estados terroristas”.
Em 2003, o ano da subtracção do regime de Saddam Hussein, saía em Portugal a colectânea de entrevistas e conferências Iraque – Assalto ao Médio Oriente. Da análise de Chomsky ressaltava a tese de que o derrube do regime e a então propalada ameaça de arsenais de armas de destruição em massa serviam apenas para mascarar a necessidade de assumir o controlo dos recursos petrolíferos do país e redesenhar, a partir de uma Bagdade pós-Saddam, os factores geoestratégicos do Médio Oriente.
Mais recentemente, a atenção do professor do MIT tem recaído sobre o significado da ascensão de Barack Obama à Casa Branca. Num dos últimos trabalhos dedicados à eleição presidencial de 2008, que enviou por e-mail à redacção do site da RTP, Noam Chomsky estabelece um paralelo entre o trajecto político do primeiro Presidente afro-americano dos Estados Unidos e o antigo Presidente Ronald Reagan.
«O próprio Obama expressou a sua admiração por Reagan enquanto figura transformadora. Obama não se estava a referir aos rios de sangue que Reagan entornou da América Central ao Sul de África e por diante. Nem se estava a referir à grande eficácia de Reagan ao ajudar a transformar o Paquistão num Estado com armas nucleares e poderosas forças radicais islâmicas, com consequências que Obama encara como o maior desafio externo da sua Administração. Por isso, sim, Reagan foi uma figura transformadora no estrangeiro», escreve Chomsky.
«Ao invés, Obama referia-se à figura imaginária construída por uma fantástica campanha de relações públicas, que ungiu Reagan como o sumo-sacerdote dos mercados livres e do governo reduzido, culminando na comemoração reverencial do Grande Homem com reminiscências da veneração de Kim il-Sung, um dos momentos mais embaraçosos da história moderna da cultura política ocidental», conclui.
Noam Chomsky
http://infoalternativa.org/spip.php?article667

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