terça-feira, março 03, 2009

Cuidado com o Dia da Marmota deObama

Um dos filmes mais inteligentes que já vi é Groundhog Day (O Dia da Marmota), no qual Bill Murray actua como um meteorologista da TV que se descobre preso no tempo. A princípio ele tem a ilusão de que o mesmo dia e as mesmas pessoas e as mesmas circunstâncias apresentam novas oportunidades. Finalmente, a sua ingenuidade e falsas esperanças abandonam-no e ele percebe a verdade da sua situação aflitiva e escapa. Será isto uma parábola para a era de Obama?
Tendo feito campanha com “A mudança em que você pode acreditar”, o presidente eleito Barack Obama nomeou a sua equipa. Ela inclui Hillary Clinton, que votou por atacar o Iraque sem ler a avaliação da inteligência e desde então ameaçou «obliterar totalmente» o Irão por conta de uma potência estrangeira, Israel. Durante a sua campanha das primárias, Obama referiu-se repetidamente às mentiras de Clinton acerca do seu registo político. Quando a nomeou secretária de Estado, chamou-a «minha querida amiga».
A palavra de ordem de Obama agora é “continuidade”. O seu secretário da Defesa será Robert Gates, que serviu o regime ilegal e empapado em sangue de Bush como secretário da Defesa, o que significa secretário da guerra (a última vez que os EUA tiveram de defender-se a si próprios foi em 1812 quando os britânicos os invadiram). Gates não quer a fixação de uma data para uma retirada do Iraque e quer «bem mais de 20.000» soldados a serem enviados para o Afeganistão. Ele também quer que os EUA construam um arsenal nuclear completamente novo, incluindo armas nucleares “tácticas” que turvam a distinção com as armas convencionais.
Outro produto da “continuidade” é a primeira escolha de Obama para a chefia da CIA, John Brennan, que partilha a responsabilidade pelo sistemático sequestro e tortura de pessoas, conhecido como “entrega extraordinária”. Obama encarregou Madeleine Albright de informar sobre como «fortalecer a liderança dos EUA em reacção ao genocídio». Albright, como secretária de Estado, foi em grande medida responsável pelo bloqueio do Iraque na década de 1990, descrito por Denis Halliday, da ONU, como genocídio.
Há mais continuidade na nomeação de Obama de funcionários que tratarão da pirataria económica que deitou abaixo Wall Street e empobreceu milhões. Como no pesadelo de Bill Murray, eles são os mesmos funcionários que a provocaram. Lawrence Summers, por exemplo, dirigirá o Conselho Económico Nacional. Como secretário do Tesouro, segundo o New York Times, «promoveu a lei que desregulamentou os derivativos, os… instrumentos – também conhecidos como activos tóxicos – que disseminaram perdas financeiras [e] recusou-se a dar atenção aos críticos que advertiam dos perigos pela frente».
Há lógica aqui. Ao contrário do mito, a campanha de Obama foi financiada em grande medida pelo capital predador, tal como o Citigroup e outros responsáveis pelo escândalo das hipotecas sub-prime, cujas vítimas foram principalmente afro-americanos e outras pessoas pobres.
Será isto uma grande traição? Obama nunca escondeu o seu registo como homem de um sistema descrito por Martin Luther King como «o maior fornecedor de violência no mundo de hoje». O namorico de Obama como crítico suave do desastre no Iraque esteve alinhado com a maior parte da opinião do Establishment de que aquilo foi “tolo”. Os seus fãs incluem os criminosos de guerra Tony Blair, que “saudou” as suas nomeações, e Henry Kissinger, que descreveu a nomeação de Hillary Clinton como «extraordinária». Um dos principais conselheiros de John McCain, Max Boot, que está na extrema-direita do Partido Republicano, disse: «Estou espantado com estas nomeações. [Elas] podiam facilmente ter vindo de um presidente McCain».
A vitória de Obama é histórica, não só porque ele será o primeiro presidente negro, mas porque ele penetrou num grande movimento popular entre minorias da América e os jovens fora do Partido Democrático. Em 2006, os latinos, a maior minoria do país, apanharam a América de surpresa quando se espalharam nas cidades para protestar contra as leis draconianas de imigração de George W. Bush. Eles cantaram: «Si, se puede!» («Sim, podemos!»), uma palavra de ordem que posteriormente Obama reclamou como o seu próprio. A sua secretária para a Segurança Interna é Janet Napolitano que, como governadora do Arizona, ganhou notoriedade por alimentar a hostilidade contra imigrantes latinos. Ela militarizou a fronteira do seu estado com o México e apoiou a construção de uma muralha odiosa, semelhante àquela que divide a Palestina ocupada.
Na véspera da eleição, relatou a Gallup, a maior parte dos apoiantes de Obama estava «empenhada» mas «profundamente pessimista acerca da futura direcção do país». A minha suposição é que muitas pessoas sabiam o que estava para vir, mas esperavam o melhor. Ao explorar esta esperança, Obama quase neutralizou o movimento anti-guerra que é historicamente aliado dos democratas. Afinal de contas, quem pode disputar com o símbolo do primeiro presidente negro neste país de escravatura, pouco importando se ele é um fomentar de guerras? Como apontou Noam Chomsky, Obama é uma “marca” como nenhuma outra, tendo ganho a maior campanha publicitária e atraído somas de dinheiro sem precedentes. A marca vendará por algum tempo. Ele encerrará a Baía de Guantánamo, cujos presos representam menos de um por cento dos 27.000 “prisioneiros fantasma” dos EUA. Ele continuará a fazer discursos comoventes e banais, mas as lágrimas secarão quando o povo entender que o presidente Obama é o mais recente administrador de uma máquina ideológica que transcende o poder eleitoral. Ao ser questionado sobre o que fariam os seus apoiantes quando a realidade irrompesse, Stephen Walt, um conselheiro de Obama, disse: «Eles não têm mais nenhum lugar para onde ir».
Ainda não. Se há um final feliz no Dia da Marmota de guerra e pilhagens repetidas, ele pode muito bem ser encontrado no próprio movimento de massas cujos entusiastas registaram eleitores, bateram às portas e levaram Obama ao poder. Será que eles agora ficarão satisfeitos como espectadores do cinismo da “continuidade”? Em menos de três meses, milhões de americanos irados foram politizados pelo espectáculo de milhares de milhões de dólares de donativos a Wall Street enquanto eles lutavam para salvar os seus empregos e as suas casas. Como se sementes começassem a brotar por baixo da neve política. E a história, como o Dia da Marmota, pode repetir-se. Poucos previram os acontecimentos que fizeram época na década de 1960 e a velocidade com a qual eles se sucederam. Como beneficiário daquele tempo, Obama deveria saber que quando as viseiras são removidas, tudo é possível.
http://infoalternativa.org/spip.php?article637

Sem comentários: