quinta-feira, março 26, 2009

Diversidade em tempos de incerteza

Neste momento, um conflito de paradigmas está a ser encenado em todo o mundo, naturalmente resultando numa peça cujo conteúdo reflecte uma história complexa de causas e efeitos.

Por um lado, o negócio em grande escala promove um crescimento global monocultural, de cima para baixo, baseado no capital e na energia. Por outro lado, observamos a destruição do humano, do tecido social e económico das nossas vidas, tudo em nome de uma economia de casino de avançada tecnologia, numa escala cada vez maior e mais anónima em termos de responsabilidade. A palavra crescimento num contexto deste tipo parece amargamente irónica, tendo em conta a destruição dos ecossistemas e a taxa de extinção registada, que é a mais alta desde o período Devoniano. Ainda mais amargo é o facto da destruição da biodiversidade estar a ser destruída em nome de uma estandardização monocultural. Não é apenas por mera coincidência que estes problemas são acompanhados por uma grande perda de diversidade cultural humana e uma ainda maior dependência em fontes e recursos comuns para satisfazer necessidades materiais e abstractas.

No Ocidente foi-nos vendido um remédio amargo sob a forma de argumentos neodarwinianos que confundiram natureza com cultura. Ainda pior é o facto de termos sido tão eficazes a vender este remédio ao Terceiro Mundo. Acabámos por realmente acreditar que o actual absurdo Behemoth socioeconómico é o resultado de uma tendência evolucionária, que entende os seres humanos como basicamente egoístas, constantemente envolvidos em competição, sobrevivência e guerra. Ao ler os pensadores ocidentais, de Adam Smith a Sigmund Freud, somos levados a acreditar que estes traços são um produto da nossa natureza.

No entanto, não será possível que estes brilhantes filhos do Ocidente tenham andado a descrever o Homus Industrialis em vez do Homo Sapiens. Confundimos a natureza com a cultura e vendemo-nos a um paradigma mais poderoso do que o Comunismo ou o Capitalismo: estamos subjugados pela Tecnologia.

Ninguém nega que as fomes que assolaram a Índia no último século tenham diminuído muito, em parte devido aos híbridos introduzidos para aumentar a produção. Mas o altruísmo desses anos transformou-se agora numa loucura expansionista. Explorando apenas esta avenida da loucura do século XXI, o agronegócio, ouvimos os apelos à estandardização, expansão, comida para todos, mas a expansão agro-industrial trouxe a devastação; os seus fertilizantes e pesticidas envenenam a terra, a terra marginal cresce exponencialmente, a erosão desenfreada está a levar milhares de anos de desenvolvimento do solo numa única chuvada e uma falange de híbridos monocultural fica mais do que nunca susceptível a pragas. Apesar dos críticos das colheitas geneticamente manipuladas poderem citar a segurança, genes estranhos, reacções alérgicas e a introdução acidental de genes em populações selvagens, o perigo mais real e iminente nesta nossa aldeia global é a perda acelerada de variedades geneticamente únicas, aliado ao patenteamento de sequências genéticas.

Apenas há duzentos anos, os agricultores estavam a melhorar activamente a segurança das suas futuras colheitas e solo ao encorajarem a biodiversidade agrícola. Centenas de milhares de variedades de plantas e animais datam dessa época. São um testamento de gerações de agricultores seleccionando plantas e animais, perfeitamente adaptados às condições locais, ecótopos, habitats, através de uma sinergia entre transferência de nutrientes, protecção e produtividade.

Será que vamos perder esta preciosa diversidade em troca de uma mão cheia de prata? Num esforço de evitar a perda deste capital genético, grupos de horticultores e agricultores preocupados com a situação juntaram-se para proteger a extraordinária riqueza de material genético que é a herança natural de Portugal. Não se trata de um Sebastianismo de Legumes, um questionável conservadorismo lusitano, mas sim de uma corrida racional e pragmática contra o tempo para salvar milhares de variedades e cultivares locais e ibéricas. O que os gigantes agro-industriais não conseguem ver é que a sobrevivência agrícola, ou melhor, a nossa sobrevivência literal, depende da diversidade. Quando o Híbrido RTY354/7 tiver transformado o chão em pó e esvaziado os nossos bolsos, quando a mudança de clima tiver transformado Portugal no Magrebe da Europa, então virar-nos-emos para grupos como a Colher Para Semear à procura das antigas variedades de trigo que conseguem resistir a uma seca no Alentejo, tolerar o sal e, apesar da sua forma diferente e cor estranha, podem alimentar-nos, e alimentar-nos bem.
http://infoalternativa.org/spip.php?article715

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