segunda-feira, março 30, 2009

Dois em um porque é o que está a dar!...

O que conta é ser importante

Um jovem português que trabalhava no Porto negociou um contrato em nome da sua empresa. No dia marcado para a assinatura, fez uma viagem de duas horas e apresentou-se na outra empresa à hora combinada. Mas nesse dia o "Senhor Engenheiro" encontrava-se mal-disposto e mandou dizer que não estava para aturar miúdos: ele que voltasse noutro dia. Passado algum tempo, este jovem emigrou, juntando-se ao número dos que refiro neste artigo. Não tomou esta decisão por causa deste episódio, mas pesou nela uma longa sucessão de episódios semelhantes.

Vários meses depois e trezentos quilómetros mais a Sul, mil portugueses compraram bilhetes para assistir a um espectáculo de ópera no CCB. O espectáculo começou com meia hora de atraso porque outro "Senhor Engenheiro" - Primeiro-Ministro de Portugal - achou perfeitamente natural que a cortina só subisse quando ele e os seus acompanhantes estivessem sentados nas respectivas cadeiras. O que ele não acharia natural, atrevo-me a suspeitar, é que o espectáculo tivesse começado à hora marcada sem a sua ilustre presença.

O que têm estes dois episódios em comum? O facto de ambos envolverem "Senhores Engenheiros" é irrelevante, como é irrelevante a hipótese de ambos darem aos portugueses vontade de emigrar.

O que é relevante é a aparente banalidade dos dois casos. A naturalidade com que estas coisas se fazem todos os dias, milhares de vezes e por todo o país. É serem o retrato cruel duma cultura em o que conta não é ser competente, mas sim ser importante. E é claro: a importância de cada um mede-se, muitas vezes à falta de outro título, pelo poder de fazer esperar os outros.

O atraso de Sócrates

Imaginemos, forçando um pouco, que José Sócrates era um bom primeiro ministro. Imaginemos que todas as suas políticas eram acertadas, ou pelo menos uma boa parte delas. Imaginemos que governava para o bem comum e não para o bem de uns poucos. Mesmo assim, todo esse bom trabalho teria sido desfeito pelo mau exemplo que deu ao chegar atrasado ao CCB. Num país como Portugal, em que a falta de pontualidade é um vício generalizado (que nos fica caríssimo em termos de riqueza e de qualidade de vida), um responsável político não pode, simplesmente não pode, dar exemplos destes. Seja qual for a desculpa.

O remédio para a falta de pontualidade é simples: nunca esperar por ninguém. Imaginemos que o director do CCB tinha decidido dar início ao espectáculo à hora marcada. José Sócrates ficaria perante uma escolha: ou retaliava, ou aproveitava para o elogiar em público, apresentando-o como exemplo do "Portugal moderno" que a sua propaganda nos vende. A hubris aconselharia a primeira alternativa, a inteligência a segunda.

Desconfio que no caso de José Sócrates prevaleceria a hubris. Mas a hubris, como é sabido, atrai a vingança dos deuses.
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