terça-feira, março 03, 2009

Refazer a América: as ambiguidades de Obama

Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos em 20 de Janeiro, aclamado por uma vasta maioria do povo americano e do resto do mundo. No seu discurso inaugural, prometeu «começar de novo o trabalho de refazer a América».
Nesta curta frase, que foi tomada pela imprensa mundial em manchetes e análises, Obama capturou todas as ambiguidades das suas promessas presidenciais. O verbo “refazer” pode querer dizer coisas bastante diferentes. Pode significar o regresso a um estado anterior que era melhor. E Obama pareceu indicar esta possibilidade com outra frase, apelando aos cidadãos americanos «para escolher a nossa melhor história». Mas “refazer” pode também querer dizer uma mudança mais fundamental, criando um tipo de América bastante diferente da que o mundo conhece actualmente. A ambiguidade é se Obama propõe apenas reformular a estrutura e as instituições dos Estados Unidos e do sistema-mundo, ou transformá-las de forma fundamental.
O que já devia ser claro para todos é que os Estados Unidos não elegeram um Che Guevara como seu presidente, apesar dos temores histéricos dos direitistas irreconciliáveis do Partido Republicano. Nem, porém, elegeu outro Ronald Reagan, apesar das esperanças de alguns dos que votaram nele e dos medos dos seus mais intransigentes críticos de esquerda. Quem elegeram então os Estados Unidos? A resposta ainda não é óbvia, precisamente devido ao estilo de Obama como político.
Há duas questões para analisar. Uma é o que Obama realmente gostaria de conseguir como presidente. A segunda é o que pode provavelmente conseguir, dadas as realidades da geopolítica, além de uma depressão mundial. O vice-presidente Biden descreveu esta última em 25 de Janeiro como «pior, muito francamente, do que todos pensavam, e está a piorar a cada dia».
O que sabemos, nesta altura, sobre Obama? É invulgarmente inteligente e bem-formado para um líder político, e é um político equilibrado, prudente e de muito sucesso. Mas onde é que ele se situa na grande escala entre desejar simplesmente reformular e mudar de forma fundamental? Provavelmente algures no meio desta escala. E provavelmente o que ele vai realmente fazer será mais em função dos limites do sistema-mundo do que das suas próprias escolhas, por muito inteligentes que possa ser.
Até agora, tivemos pistas de para onde se dirige em cinco arenas: participação inclusiva, geopolítica, meio ambiente, questões sociais internas, e como lidar com a depressão. O veredicto inicial é bastante misto.
Obviamente, onde ele brilha mais é na participação inclusiva. A sua própria eleição é uma medida disso. É claro que a eleição de um presidente afro-americano é meramente o acto culminante de uma firme tendência nos Estados Unidos desde 1945 – desde a integração [dos afro-americanos] nas forças armadas do presidente Truman à decisão do Supremo Tribunal de dessegregação nas escolas, à nomeação de Thurgood Marshall para o Supremo Tribunal, à nomeação de Colin Powell para chefe do Estado-Maior conjunto, às sucessivas nomeações de Powell e de Condoleeza Rice para a Secretaria de Estado. Mesmo assim, marca um grande avanço que poucos esperavam há dois anos. E isso conta.
Obama vai prosseguir estes esforços de cidadania inclusiva. Contudo, ele enfrenta um importante teste político na questão da imigração. Ainda não há indicações de quão vigorosamente ele vai enfrentar esta questão. Teria de lutar contra uma grande parte da sua própria base política. Dada a extensão dos níveis actuais e expectáveis de desemprego nos Estados Unidos, ele pode adiar qualquer acção. Mas a questão não vai desaparecer, e só se tornará mais difícil de resolver. Além disso, não resolver esta questão terá efeitos negativos na capacidade do mundo de atravessar a depressão com menos dor.
A postura geopolítica de Obama é muito menos promissora. O conflito israelo-palestiniano é provavelmente irresolúvel de momento. O mínimo absoluto que é preciso fazer é incluir o Hamas nas negociações. Muito provavelmente, a nomeação de George Mitchell como representante especial dos EUA pressagia que isso vai ser feito. Mas isso dificilmente será suficiente para obter uma solução política viável. Os israelitas estão entrincheirados nos seus bunkers e não estão dispostos sequer a pensar em qualquer coisa que os nacionalistas palestinianos possam aceitar.
Não tenho dúvida de que os iraquianos vão fazer Obama manter a sua promessa de retirada em 16 meses. E não acredito que Obama faça mais do que dar umas cotoveladas verbais aos iranianos. Mas ele empreendeu o caminho do desastre no Paquistão, enfraquecendo seriamente o seu governo na sua primeira semana de mandato. O governo do Paquistão é fraco e pode cair em breve. E. se isso acontecer, Obama não terá opções defensáveis.
O principal problema é que Obama não renunciou à linguagem inflamada de um ex-poder hegemónico. No seu discurso, ele disse ao mundo: «Saibam que a América está… pronta para liderar mais uma vez». O mundo quer que os Estados Unidos participem. Não quer precisamente que os Estados Unidos liderem. Não penso que Obama ainda compreenda realmente isto. O Paquistão pode bem ser a sua ruína.
Além disso, começou com o pé errado na América Latina. Disse frases de efeito sobre Chávez e, pior, não ouviu o desafio do presidente Lula de que a América Latina não acreditará na sua postura de mudança até que ele levante incondicionalmente o embargo a Cuba.
Os seus primeiros passos na questão ambiental são positivos – nas suas nomeações, nas suas decisões executivas, e nas suas indicações a outros estados de que os Estados Unidos estão dispostos a participar nas medidas colectivas que os cientistas apontam como necessárias. Mas aqui, como noutros domínios, a questão é quão corajosa e rapidamente ele está disposto a agir.
A política sobre questões sociais internas é de novo uma mistura incerta. Obama restaurou as políticas sobre o aborto que eram as da administração Clinton, e isto claramente o distingue das políticas de Reagan/Bush. Decretou o encerramento de Guantánamo e das prisões secretas da CIA, enquanto adiava por um ano algumas decisões sobre o que fazer com os que estão actualmente presos. O grau com que ele vai anular a vasta rede de invasão governamental da privacidade dentro dos Estados Unidos ainda é uma questão em aberto. Como também ainda não é claro até que ponto ele vai cumprir a sua promessa aos sindicatos de desfazer as sérias limitações que as anteriores administrações tinham colocado à sua capacidade de organização.
Finalmente, chegamos à arena em que ele tem menos liberdade de movimentos, a depressão mundial. Ele está obviamente disposto a aumentar amplamente o envolvimento do governo na economia. Mas também o estão praticamente todos os outros líderes políticos através do mundo. E ele está obviamente disposto a aumentar o que poderiam ser chamadas medidas social-democratas para reduzir o sofrimento económico das camadas trabalhadoras. Mas também o estão praticamente todos os outros líderes políticos através do mundo.
A questão aqui também é de saber quão arrojadas vão ser as medidas. Ele nomeou um grupo de keynesianos muito cautelosos para todas as posições-chave. Não incluiu nenhum dos economistas dos EUA que são keynesianos de esquerda – Joseph Stiglitz, Paul Krugman, Alan Blinder ou James Galbraith. Todos estão a dizer que medidas cautelosas não vão resultar, e esse tempo precioso está a perder-se. Talvez daqui a um ano, Obama remodele a sua equipa para incluir aqueles que estão a apelar a uma acção mais ousada. Mas talvez isso também já seja um pouco tarde.
Obama está ansioso por alinhar os republicanos do Congresso com as suas propostas económicas. Em parte esta é a sua razão para escolher a «unidade de objectivos acima do conflito e da discórdia», nas palavras do seu discurso de posse. Trata-se, em parte, de política inteligente, no sentido de que ele não quer entrar num limbo enquanto a economia se deteriora mais. Mas a liderança republicana é suficientemente perspicaz para compreender isto, e vai dar-lhe os seus votos apenas em troca de esvaziar muito do seu programa.
Obama está a ter um começo muito tremido. A crença de que ele está pronto a impulsionar uma mudança fundamental da América tem fracas provas a seu favor, apesar da sua inteligência e da sua abertura intelectual. Os Estados Unidos estão a ter boa gramática. Precisam de uma mudança ousada.
http://infoalternativa.org/spip.php?article639

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