“A educação consiste em saber dar à criança a quantidade certa de amor” (Sigmund Freud)Sempre que uma pessoa se defronta com algo de impensável, é costume (do qual não sei a origem) dizer-se: “Desde que vi, no circo, um porco a andar de bicicleta já nada me espanta”. Mas será sempre assim? Dois factos levam-me a descrer.O primeiro, reporta-se a um artigo publicado há anos no "Público" (08/05/2005), da autoria de Nuno Pacheco, com um título que não deixa dúvidas sobre a paródia em que se transformou o ensino em Portugal: “Brincar às escolas”! O segundo, diz respeito a um artigo acabado de sair no “Expresso” (04/04/2009) da autoria de Joana Pereira Bastos intitulado “Esoterismo pode contar para a progressão na carreira”.A semelhança dos casos que geraram os artigos gemina-os no dislate – ambos se referem a acções imaginativas de formação de professores - embora seja diferente a progenitura: o primeiro foi organizado pela “Associação Sindical Pró-Ordem dos Professores” (baptismo ridículo, comparável ao de uma “Ordem dos Professores Pró-Associação Sindical”!) e o segundo pela Fundação Casa Índigo. Os dois tiveram a caução do Ministério da Educação (ME).Segundo Eça, “o riso é a mais antiga e ainda mais terrível forma de crítica. Passe-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição, e a instituição alui-se”. Bem a propósito, foi este o destino que uma notícia sobre uma acção de (de)formação de professores mereceu de Nuno Pacheco. Ou seja, num artigo jocoso, de ponta a ponta, que ora transcrevo em parte (transcrevi-o na totalidade no meu livro “O Leito de Procusta”, 2005, ps. 83, 84): “Lê-se e, por melhor boa vontade, não se acredita. Não há pasmo que consiga descrever a sensação de estar perante tamanho disparate. Ainda vamos descobrir que os males do ensino se devem aos cortinados das escolas, ao mau ‘design’ dos equipamentos ou ao perfume usado pelos professores. Talvez ajude um pouco de meditação transcendental, talvez exercícios tântricos, talvez ‘feng shui’…”Partamos, agora, ansiosos por novidades, para os objectivos da recente acção de (de)formação. São eles: “Aprendizagem de ‘técnicas pedagógicas para uma melhor integração das ‘crianças índigo, cristal, violeta, esmeralda, diamante ou douradas’, para além do conhecimento de ‘técnicas de regulação ou limpeza de energia’. Por mais incrível que pareça (lá vem, outra vez, o porco e a bicicleta!) , o ME, sempre atento a tudo destruir sem nada construir, acreditou este curso ministrado pela Fundação Casa Índigo, que é, segundo o “Expresso”, “uma instituição baseada na teoria de que a ‘aura’ da crianças tem diferentes cores, em função da sua energia e da ligação que mantém com o Universo”. Nestas acções de formação, que dão créditos para a progressão na carreira, ”os docentes podem aprender ‘técnicas pedagógicas’ (…). Além de poderem igualmente ficar a conhecer ‘técnicas de regulação ou limpeza de energia’”. Sobre os motivos da acreditação pelo ME deste tipo de acções poder-se-ão tirar, de entre outras, as seguintes ilações:1.ª O ME sentindo-se incapaz de equacionar e resolver os problemas do ensino com medidas exotéricas enveredou pela via do esoterismo: as medidas agora são esotéricas.2. ª O ME, com essa atitude, corre o risco de se transformar numa espécie de altar ou talvez capela de uma seita que cultiva as ciências ocultas.3.ª O ME deve mandar encerrar, em respeito pela contenção das despesas públicas, todas as Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação portuguesas por incapacidade de se tornarem parceiros científicos na investigação dos processos em melhorar o rendimento escolar sem ser pela via estatística.4.ª O ME deve criar um corpo de incendiários para queimarem em fogueira pública todos os manuais de Psicologia e Ciências da Educação por transmitirem conhecimentos que atrasam e obstaculizam um país de faz-de-conta, um país com elevados níveis de escolaridade, espelhados em sucesso escolar sem paralelo neste mundo.5.ª O ME pretende que todos os nacionais tenham escolaridade obrigatória de licenciado (antes de Bolonha) ou mestrado (depois de Bolonha), ainda que obtida à pala das miríficas “Novas Oportunidades” e “Provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos”, em concorrência desleal para com as escolas do ensino básico e secundário, que correm o perigo de se tornarem desnecessárias por a idade de 23 anos (e por que não 21 ou 22?) para além de ser um posto ter passado a ser um atestado de sapiência.6.ª O ME providenciará a inscrição massiva dos novos diplomados, sem esperança no devir, nos Centros de Desemprego, com as cabeças cheias de nada e ocas de tudo, numa espécie da “Fundação Nacional de Alegria no Trabalho” (FNAT), do tempo da Outra Senhora, agora transformada em “Fundação Nacional de Tristeza no Descanso” (FNTD).Como promessa, qual réstia de sol no céu plúmbeo de asneiras de cabo de esquadra, com copianço no pensamento de Sigmund Freud em epígrafe, surge a intenção da responsável da Fundação Casa Índigo: “O curso serve basicamente para os professores entenderem a necessidade de amar as crianças”. Até parece uma boa intenção. Mas, a exemplo do inferno, de boas intenções não estará o ME cheio?Rui Baptista
http://dererummundi.blogspot.com
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