Graças às denúncias públicas da Unión de Organizaciones de la Sierra Juárez de Oaxaca (Unosjo), foi posto na mesa o debate sobre as consequências do "mapeamento digital participativo" que equipes de geógrafos, antropólogo e outros realizam em muitas partes do mundo com comunidades locais, urbanas, rurais e indígenas.
Trata-se de fazer mapas altamente pormenorizados, com tecnologia digital de ponta, que utilizam o conhecimento dos habitantes sobre o seu ambiente, relações, história, recursos — conseguindo resultados muito mais ricos, dinâmicos e complexos do que poderiam obter com agentes externos. A importância dos saberes locais já era clara para os conquistadores. Com as novas tecnologias, os mapas adquirem outras dimensões — mas as intenções são as mesmas. Por exemplo: estes mapas são úteis para o controle de grupos dissidentes, para afinar estratégias militares e de contra-insurgência, e constituem uma informação valiosa para as multinacionais na exploração dos territórios e recursos das comunidades.
Aqueles que fazem os mapas argumentam que favorecer as comunidades, permitindo-lhes uma visão mais pormenorizada do seu ambiente. Argumento paralelo ao de outros mapeadores, como os das variações genéticas — que, para satisfação das multinacionais farmacêuticas, reproduzem-se por todo o mundo —, ou os mapas da biodiversidade que foram tão úteis para as multinacionais da biopirataria.
O caso agora denunciado pela UNOSJO — intitulado México Indígena — é um projecto da Universidade de Kansas, da Sociedade Americana de Geógrafos, da Universidade de Carleton e da Universidade Autónoma de San Luis Potosí, com a empresa de tecnologia militar Radiance Technologies, financiada pelo Gabinete de Estudos Militares Estrangeiros dos Estados Unidos ( FMSO , na sigla em inglês). Colaboraram gabinetes do governo como a Comisión Nacional para el Desarrollo de los Pueblos Indígenas (CNDPI) e a Secretaría de Medio Ambiente (Semarnat).
A UNOSJO denunciou que os responsáveis do projecto (dirigido por Peter Herlihy e J. Dobson) entregaram informações parciais às comunidades a fim de conseguir a sua participação em actividades como medir os impactos do projecto de privatização de terras PROCEDE. Mas ocultaram que estavam a ser financiados por um gabinete de inteligência militar dos Estados Unidos (FMSO) a partir de Fort Leavenworth. Este centro é dirigido pelo general David Petraus, que comandou as tropas invasoras na guerra do Iraque e pertence ao comando central militar dos Estados Unidos (CENTCOM). Desde 1800 Fort Leavenworth tem sido o centro de inteligência militar para a conquista e o controle das populações indígenas nos Estados Unidos.
O projecto México Indígena não é o único: é um "protótipo" das Expedições Bowman da Sociedade Americana de Geógrafos. Segundo esta, com o "grande êxito da experiência" do México Indígena, as expedições continuam nas Antilhas (desde o Haiti e República Dominicana até as ilhas das costas venezuelanas), Colômbia, Jordânia, Casaquistão, todas com a participação do Gabinete de Estudos Militares Estrangeiros, que por sua vez realizou projectos semelhantes no Afeganistão e no Iraque. O encarregado da FMSO para o projecto é Geoffrey Demarest, tenente-coronel saído da Escola das Américas, que conta com numerosos documentos de estratégias para a contra-insurgência e a "arquitectura do controle", defende a propriedade privada da terra e "demonstra" a periculosidade dos movimentos indígenas e dos pobres urbanos, entre outros.
Apesar desta conexão e da escolha de regiões tão geopoliticamente sensíveis para os Estados Unidos, os geógrafos do México Indígena alegam que a FMSO é apenas um patrocinados, tal como poderiam ter sido tantos outros. Afirmam que as comunidades deram o seu consentimento e que se verificaram benefícios para as comunidades, como por exemplo a definição de áreas para a venda de serviços ambientais (ou seja, para a alienação do manejo comunitário da sua biodiversidade). San Miguel Tiltepec de Oaxaca respondeu em conferência de imprensa que haviam sido enganados por não receber informação da intromissão militar-empresarial no seu território, solicitando a retirada dos mapas da sua comunidade do sítio electrónico do projecto.
Esses mapas foram retirados, mas não toda a informação sobre esta comunidade e outras. É impossível para a comunidade comprovar que esses mapas não foram incorporados no acervo da FMSO e daqueles que o tiverem descarregado anteriormente.
É evidente que o projecto México Indígena e as Expedições Bowman fazem parte das actividades de inteligência militar das forças armadas dos Estados Unidos. Outros projectos semelhantes, ainda que não recebam este financiamento ou tenham conexão directa, podem ser utilizados para os mesmos fins. Está na hora de acabar com a inocência (se é que a tinham) dos que participam nestes mapeamentos.
Silvia Ribeiro
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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