Qualquer semelhança com outro país da Europa também governado por um partido que se diz socialista não é mera coincidência
A Grécia está à beira da bancarrota apesar de a recessão ainda não ter atingido o país com toda a força. As greves estão a paralisá-la e a UE está a aumentar a pressão. Mas o governo ainda tenta apresentar as coisas de forma positiva.
Durante 33 anos Dionisis Sargentis, 58, vendeu materiais médicos e ortopédicos a hospitais, produtos como parafusos e grampos para vértebras ou articulações partidas. Hoje ele tem 13 empregados e vendas anuais da ordem dos €7 milhões.
Poder-se-ia pensar que este ramo de negócio fosse à prova de recessão, uma vez que sempre há necessidade de materiais médicos e os seus clientes regulares incluem os principais hospitais públicos de Atenas.
Mas Sargentis está actualmente prestes a deixar o negócio. "Gosto do meu trabalho", diz ele, "mas o negócio já não compensa". Durante os últimos quatro anos e meio, os hospitais públicos não o pagaram pelos materiais que forneceu. No momento eles devem-lhe algo em torno dos €4,5 milhões – mais da metade das vendas anuais da sua companhia.
Agora ele já não tem paciência para esperar. Juntamente com um certo número de outros fornecedores de hospitais, ele postou-se em frente ao Hospital Geral de Attica, o qual tem o maior departamento ortopédico de Atenas. Mas ao invés de entregar novos fornecimentos, ele removeu os stocks existentes do armazém da clínica. "Estamos apenas a recuperar o que nos pertence", disse ele. "Eles estavam ali só como empréstimo". Sargentis e os seus colegas fornecedores de hospitais esperam que o governo grego receba a mensagem e finalmente os paguem.
Em 31 de Dezembro último o governo grego devia às 75 companhias membro da associação grega fornecedora de equipamento médico, da qual Sargentis é presidente, quase exactamente €800 milhões. Todo um sector da economia está à beira da ruína. "Todos estão de costas contra a parede", disse ele.
Há uma razão sistémica para isto. Na Grécia, os fornecedores de hospitais vendem os seus produtos para clínicas virtualmente à base de consignação. As clínicas pagam só o que utilizam e na maior parte dos casos após um período de tempo considerável. Dois a dois anos e meio são considerados tempos de espera normais. Os fornecedores levam isso em conta no seu planeamento. As encomendas feitas pelos hospitais serve as companhias como garantia para os empréstimos bancários que tomam a fim de pagar salários e efectuar novas encomendas junto aos fabricantes. Este é o modo como o negócio funciona – ou melhor, o modo como costumava funcionar.
Mas agora os bancos cessaram de cooperar. Eles recusam-se a dar novos empréstimos e isto provocou todo o colapso do sistema. "Isto cortou o nosso oxigénio", diz Sargentis. "Estamos sufocados pela dívida". Mas não é com as dívidas dos fornecedores de hospitais que os bancos estão preocupados – é com o altamente endividado governo grego que eles já não consideram confiável. Companhias como a de Sargentis são as vítimas involuntárias da mudança de atitude.
Não é de admirar, portanto, que haja tanto descontentamento público contra o governo grego. Durante as últimas semanas, trabalhadores e empregados públicos efectuaram manifestações por todo o país. Quinta-feira passada, dezenas de milhares de pessoas ocuparam as ruas das principais cidades da Grécia, paralisando a vida pública. Comboios, autocarros e cacilheiros pararam de andar. Os hospitais proporcionavam só serviços de emergência. As escolas públicas foram fechadas.
"Os trabalhadores não deveriam pagar pela crise", gritavam manifestantes irados. Eles consideram o governo do primeiro-ministro Costas Caramanlis como responsável – tanto pelos maus hábitos como pela nova crise financeira.
Crise? A situação na Grécia não é de todo má, insiste Panos Livadas, o secretário-geral de informação do governo. As lojas e cafés estão cheios de clientes, destaca ele. A economia grega é "realmente indestrutível. Não entendo estas avaliações da situação internacional".
O trabalho de Livadas é fazer com que as pessoas vejam as coisas através de óculos cor-de-rosa. Ele explica que em 2008 a economia do seu país expandiu-se 3,2 por cento, "uma das mais altas taxas de crescimento da euro zona". Ao longo dos últimos quatro anos, diz ele, o crescimento económico da Grécia foi o dobro do da média global nos países do euro.
Ele caracteriza o sector bancário da Grécia como "basicamente sadio" e "em condições consideravelmente melhores" do que aqueles nos outros países da UE e nos Estados Unidos. Ele nota que a Grécia foi o primeiro país da UE a proporcionar uma garantia governamental para poupanças pessoais de até €100 mil. Nada parece capaz de abalar as auto-satisfeitas descrições oficiais da realidade grega.
Mas será realmente esta a situação?
Falta de dinheiro
É preciso sorte, especialmente em tempos difíceis. Na cimeira da crise dos países membros da UE, em Bruxelas, o primeiro-ministro Caramanlis foi feliz no sentido de que a comunidade estava sob tão forte pressão para actuar em resposta à crise na Europa do Leste que não prestou muita atenção à situação na Grécia.
Mas agora a Comissão Europeia incitou a procedimentos disciplinares, porque Atenas excedeu os 3 por cento do limite de défice da euro zona pela terceira vez seguida. Os resultados das auditorias executadas por Bruxelas parecem muito diferentes da informação contida nas brochuras brilhantes de Livadas.
Nas estatísticas da UE, a dívida do governo grego é listada como montando a 94 por cento do PIB do país. A Itália é o único outro país da euro zona que tem um nível superior de dívida governamental. A Grécia também tem a mais baixa classificação de crédito de todos os países da euro zona. Ela tem de financiar a dívida do seu governo em termos que são piores do que qualquer outro país da euro zona, com a excepção de Malta.
A Grécia ainda tem de romper seus velhos hábitos. O nível de competitividade é baixa, reformas muito necessárias estão atrasadas, a burocracia do governo é inchada e corrupta, e o país continua a viver para além dos seus meios. Embora os fundos nacionais de pensão estejam cronicamente faltos de dinheiro, às funcionárias públicas com filhos em idade escolar é permitido que se aposentem com a idade de 50 anos.
Jovens educados da classe média têm pouca perspectiva de encontrar emprego, apesar de serem bem qualificados, e são forçados a tomar empregos eventuais para se sustentarem. Por isso, muitos jovens gregos são forçados a viver com os seus país até bem além dos 30 anos de idade. A ira da "geração dos €700" – como são conhecidos os jovens – quanto à sua situação explodiu em Dezembro último em semanas de tumultos por todo o país.
A UE agora já não quer aceitar a letargia do governo grego. O comissário para Assuntos Económicos e Monetários, Joaquín Almunia, apelou a medidas de cortes de custo significativamente mais duras, uma "política salarial prudente no sector público" e maiores esforços em relação a reformas estruturais. Georgios Provopoulos, o governador do Banco da Grécia, o banco central do país, advertiu o seus compatriotas contra a "auto-satisfação" e falou do perigo de bancarrota nacional que se aproxima. E a Grécia ainda está para sentir os efeitos plenos da recessão global.
"Os factores negativos que vê aqui são resíduos do passado", diz um diplomata da UE, acrescentando que a maior parte deles são autóctones. Peritos económicos aguardam ansiosamente o que vai acontecer neste Verão. Eles temem que possa haver um declínio no sector do turismo, um dos mais importantes pilares de crescimento na economia grega, representando 17 por cento do PIB. O volume de reservas turísticas dos Estados Unidos caiu mais de 50 por cento. O número de turistas britânicos, uns 3 milhões por ano anteriormente, juntamente com 2,3 milhões de alemães, espera-se que seja contraído em mais de 30 por cento.
A situação dos bancos que investiram na Europa do Leste e nos Balcãs é incerta. Instituições financeiras gregas investiram milhares de milhões de euros em tomadas de bancos ou no estabelecimento das suas próprias agências na Roménia, Bulgária e Sérvia. Como o valor das divisas nacionais em alguns destes países caiu dramaticamente, o que originalmente era visto como investimentos atraentes em economias em desenvolvimento poderia redundar em enormes perdas.
É assim que a crise se apresenta na Grécia. "Ninguém quer vê-la, mas todos temem-na", diz Kalliope Amyg, um jovem cientista político. "O país está a dançar sobre um vulcão".
"Não sabemos o que nos trará o amanhã"
Em grego não há tradução directa para o verbo "poupar" num sentido monetário. E este é precisamente o modo como vivem os gregos.
A Grécia continua a ter um sector informal florescente. "Isto ajuda a estabilizar os rendimentos das pessoas e o padrão de vida", observa um homem de negócios europeu que trabalha na Grécia. "As famílias tentam ter tantas fontes separadas de rendimentos quanto possível".
Durante 24 anos Popi Kalogeropoulou trabalhou como artista gráfico para companhias editoras, mais recentemente para a revista feminina Young. No fim do ano passado ela foi despedida. A revista foi forçada a cortar custos, o que significou cortar empregos.
Felizmente não levou muito tempo para encontrar um novo emprego. Desde meados de Janeiro ela tem estado a fazer a maquetagem de um jornal semanal. O pagamento que lhe foi oferecido não é mau, mais de €2000 por mês, o qual é um bocado mais do que ela obtinha no seu último emprego.
Só que não lhe foi dado um contrato – ela está a ser forçada a trabalhar clandestinamente. "Estou a ser obrigada a fazer algo que não quero fazer", afirma. Ela foi paga pela primeira vez oito semanas e um dia depois de ter começado. Mas recebeu apenas €1000 – em dinheiro, naturalmente. "As empresas estão simplesmente a aproveitar-se da crise", diz ela.
Ninguém acredita que a Grécia será capaz de enfrentar a crise, se e quando ela atingir o país com toda a força, empregando apenas os seus velhos hábitos ineficientes. "Não sabemos o que nos trará o amanhã", diz o empresário Dionisis Sargentis.
Sargentis só sabe o que acontecerá se o governo grego continuar a ser incapaz de pagar as suas contas e as empresas do seu sector forem incapazes de vender os seus bens. "Isto resultará no fim do sistema de cuidados de saúde no nosso país". Entre outras coisas.
Manfred Ertel
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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