– A derrota pela dívida é tão mortal quanto uma derrota militar absoluta
A Islândia está sob ataque – não militar, mas financeiro. Ela deve mais do que pode pagar. Isto ameaça os devedores com o confisco (forfeiture) do que resta nos seus lares e de outros activos. Dizem ao governo para liquidar o domínio público do país, seus recursos naturais e empresas públicas, a fim de pagar as dívidas do jogo financeiro acumuladas irresponsavelmente por uma nova classe de banqueiros. Esta classe procura aumentar a sua riqueza e poder apesar do facto de que a sua estratégia de alavancamento de dívida já ter lançado a economia na bancarrota. No topo desta, os credores procuram aprovar impostos permanentes e a liquidação de activos públicos para pagar os salvamentos deles próprios.
A derrota pela dívida é tão mortal quanto uma derrota militar absoluta. Confrontados com a perda das suas propriedades e dos meios de subsistência, muitos cidadãos ficarão doentes, levará a vidas de crescente desespero e morte prematura se não repudiarem a maior parte dos empréstimos oferecidos fraudulentamente nos últimos cinco anos. E defender a sua sociedade civil não será tão fácil como numa guerra em que a cidadania se posiciona em conjunto para enfrentar um agressor visível. A Islândia está confrontada pelos países mais poderosos, encabeçados pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Eles estão a por em acção os seus propagandistas e a mobilizar o FMI e o Banco Mundial para exigir que a Islândia não se defenda a si própria anulando as suas dívidas podres. Mas estes países credores até agora não assumiram responsabilidade pela actual desordem do crédito. E, na verdade, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha são devedores líquidos no cômputo geral. Mas no que se refere à sua posição em relação à Islândia, eles estão a exigir que esta empobreça os seus cidadãos através do pagamento de dívidas de formas que estes países nunca o fariam. Eles sabem que falta o dinheiro para pagar, mas estão bastante desejosos de receberem o pagamento na forma de arresto dos recursos naturais do país, da terra e da habitação e de uma hipoteca sobre os próximos séculos do seu futuro.
Se isto soa como despojos de guerra, é exactamente isso – e sempre foi. A escravização pela dívida é o nome deste jogo. E a grande arma neste conflito de interesse é como o povo o entende. Os devedores devem ser convencidos a pagar voluntariamente, a colocar os interesses dos credores acima da prosperidade da economia como um todo, e até mesmo a colocar exigências estrangeiras acima do seu próprio interesse nacional. Isto não é uma política que o meu país, os Estados Unidos, seguiria. Mas a discussão popular na Islândia até à data tem sido limitada unilateralmente à defesa dos interesses dos credores, não o dos seus próprios devedores internos.
Em última análise, o adversário da Islândia não é um país ou mesmo uma classe, mas a dinâmica financeira impessoal a trabalhar globalmente e internamente. Para estar à altura da sua actual pressão da dívida, a Islândia deve reconhecer quão singularmente destrutivo foi o regime económico criado pelos seus banqueiros, através de legislação em causa própria e fraude absoluta. Com ávida cumplicidade externa, os seus bancos administraram a criação de bastante dívida externa a fim de provocar depreciação crónica da divisa e portanto inflação interna de preços durante muitas décadas pela frente.
Para colocar o dilema financeiro da Islândia em perspectiva, examine-se como outros países trataram enormes obrigações de dívida. Historicamente, o caminho da resistência mínima foi "inflacionar a sua saída da dívida". A ideia é pagar dívidas com "dinheiro barato" em termos do seu reduzido poder de compra. Os governos fazem isto ao imprimir dinheiro e incidir em défices orçamentais (gastando mais do que arrecadam através de impostos) suficientemente grandes para elevar preços quando este novo dinheiro apanha o mesmo volume de bens. Foi assim que Roma depreciou a sua divisa na antiguidade e como a América fez para reduzir grande parte da sua própria dívida na década de 1970 – e como a queda internacional do valor do dólar anulou grande parte da dívida internacional dos EUA nos últimos anos. Esta inflação de preços reduz o fardo da dívida – desde que salários e outros rendimentos se elevem em conjunto.
Confrontada com uma explosão sem precedentes de obrigações de dívida – muitas delas aparentemente fraudulentas e certamente em violação da prática tradicional de crédito – a Islândia aplicou esta solução inflacionária às avessas. Ao invés de permitir a clássica a panaceia creditícia de inflacionar a divisa, ela criou uma economia de sonho para os credores, impedindo a fuga clássica da dívida. A Islândia descobriu um meio de inflacionar o seu caminho para dentro da dívida, não para sair dela. Ao indexar a dívida à taxa de inflação, ela garantiu uma benesse inesperada única para bancos que aumentam amplamente o que recebem num "mercado em baixo", a expensas dos assalariados e dos lucros industriais. Ligar empréstimos hipotecários ao índice de preços no consumidor (IPC) em face de uma divisa em depreciação e de uma pesada drenagem da balança de pagamento em favor de estrangeiros pode ter apenas um resultado: destruição da sociedade islandesa e do seu modo de vida tradicional.
A Islândia precisa repudiar esta bomba da dívida. Sob a actual política, as suas dívidas nunca perderão valor porque estão indexadas à inflação. Isto por sua vez está a ser provocado em grande parte pelo serviço da dívida externa que está a por a divisa em colapso, elevando preços de importação e portanto provocando ainda maiores pagamentos de dívida numa máquina sem fim. A economia contrai-se, os salários caem e os activos perdem valor, mas as obrigações de dívida continua a crescer cada vez mais. O resultante esvaziamento dos salários, dos padrões de vida e dos gastos do consumidor mais uma vez contrairão a economia – uma receita para o vírus económico que ameaça praguejar a Islândia durante muitas décadas se não for revertida agora. A formação de capital afundará quando faltar dinheiro aos consumidores para gastar. Muitos podem não ter o suficiente para sobreviver. A economia será "crucificada numa cruz de ouro", para utilizar a famosa frase de William Jennings Bryan na eleição presidencial americana de 1896 quando ele advogava uma cunhagem de prata para aliviar a pressão da dívida sobre os agricultores e o trabalho.
Michael Hudson
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