Está Barack Obama convencido de querer abrir a caixa de Pandora sobre a utilização da tortura sob a Administração Bush? Até que ponto está disposto a puxar do lado ascendente da corda? Essa corda é na realidade muito curta e conduz directamente àqueles que planearam e ordenaram levar a cabo a “guerra contra o terrorismo” entre Setembro de 2001 e inícios de 2009.
Entre essas personagens estão nada menos que Donald Rumsfeld, então chefe máximo do Pentágono; John Ashcroft, procurador-geral do Estado; Alberto Gonzales, primeiro na sua qualidade de conselheiro chave do Departamento de Justiça e depois como sucessor de Ashcroft; os chefes da CIA, primeiro George Tenet e depois Michael Hayden; Condoleezza Rice [1], primeiro conselheira de Segurança Nacional e posteriormente secretária de Estado, e o influente vice-presidente Dick Cheney.
Essa lista não estaria completa, indubitavelmente, se nela não figurasse a sua grande estrela, o 43º inquilino da Casa Branca, o mesmíssimo George W. Bush.
Referia-se por acaso Obama a eles quando, forçado pela esquerda democrata e pelas organizações defensoras dos direitos civis e dos direitos humanos, disse há dias que não se descartava a perseguição dos responsáveis [2] de terem legitimado a tortura?
Não parece que tenha querido chegar tão longe: nunca um presidente estadunidense fez algo semelhante com o seu predecessor. Os seus assessores, pressionados por sua vez pela ala direita democrata, pela maioria do Partido Republicano, pelo Pentágono e pelas poderosas agências de Inteligência, estão a adverti-lo acerca das incontroláveis consequências que uma acção desse tipo poderia implicar para a sua brilhante Presidência.
Apesar disso, no entorno mais próximo de Obama, há quem considere que este conseguiria consolidar a sua imagem de presidente de novo tipo e ganhar mais autoridade perante o mundo inteiro, e especialmente perante os países muçulmanos, se demonstrasse com factos concretos que os aberrantes crimes cometidos sob o guarda-chuva da “guerra contra o terrorismo” durante oito anos não ficam impunes.
Para isso pretender-se-ia procurar bodes expiatórios, limitando a acção judicial contra um número muito limitado de funcionários, contra aqueles cujas assinaturas aparecem no fim dos principais memorandos secretos elaborados entre 2002 e 2005, nos quais proporcionaram a sustentação legal e as argumentações para justificar o que nunca se deveria ter justificado: a utilização da tortura sistemática com os prisioneiros (sob o eufemismo de “interrogatórios coercitivos” ou “métodos extremos”).
Essa mesma equipa de advogados do Departamento de Justiça, do Pentágono e dos serviços de Inteligência, é a que, pouco depois do 11-S, propôs também rocambolescos mecanismos legais para poder “blindar” perante os tribunais federais e os tribunais internacionais, tanto o torcionário “de base” da CIA ou da Inteligência militar, como até o próprio comandante em chefe das forças armadas, George W.Bush, oficializando a total impunidade dos seus delitos.
Essa equipa, que se autodenominava “Comité de Guerra”, era composta fundamentalmente por David Addington, ex-conselheiro de Dick Cheney; o subsecretário da Defesa, Douglas Feith; Jay S. Bybee e John Yoo, assistentes do procurador do Estado; Steven G. Bradbury, chefe da Assessoria Legal do Departamento de Justiça; e William J. Haynes II, conselheiro-geral do Departamento de Defesa.
Vários destes assessores aparecem também na lista daqueles a quem o juiz Baltasar Garzón pretende processar pela sua responsabilidade nesse campo de concentração do século XXI que tem sido Guantánamo desde Janeiro de 2002, acção com a qual não está de acorda a Procuradoria da Audiência Nacional.
No entanto, a possibilidade de limitar a acção judicial a esse “Comité de Guerra” seria muito difícil, na medida que o próprio relatório de mais de 200 páginas [3] que uma comissão do Senado deu a conhecer na quarta-feira, bem como as investigações internas realizadas pelo Exército por causa do escândalo de Abu Ghraib de 2004, não deixam dúvidas de que os responsáveis últimos eram aqueles que dirigiam a Casa Branca, o Pentágono, o Departamento de Justiça e a CIA.
Resta ver como se desenvencilha agora Obama para sair dessas águas pantanosas em que se meteu, sem que fique demasiado em evidência que recua e deixa tudo como está, com a impunidade assegurada.
http://infoalternativa.org/spip.php?article819
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