terça-feira, maio 05, 2009

O helicóptero e a impressão de notas

A situação económica e financeira está a girar para águas cada vez mais perigosas. Ninguém espera que a recessão seja de curta duração. E muitos analistas pensam que não há que descartar a possibilidade de uma depressão com enormes desajustes estruturais.
Nos Estados Unidos, a recessão terá como resultado uma queda acumulada do PIB de cerca de 5 por cento e perdas astronómicas no mercado de valores e em todo o tipo de activos. Na União Europeia, Inglaterra e Japão, o PIB teve crescimento negativo a partir do segundo trimestre do ano transacto. Noutras economias da OCDE, observa-se um padrão similar: a Austrália, a Nova Zelândia e o Canadá estão com taxas negativas desde Maio. Em muitas economias, a crise está a formar-se apenas na esfera financeira. Para outras, o colapso dos principais produtos de exportação provocará fortes desequilíbrios fiscais e nas contas externas.
Em síntese, não parece que a recessão possa ser superada antes de 2010. Por diversas razões, é provável que a recuperação deva começar onde se iniciou a crise: nos Estados Unidos. A política fiscal encontra-se num compasso de espera pela razão de que só pode haver um presidente de cada vez.
Por sua vez, a política monetária já atingiu os seus limites. Há alguns dias, a Reserva Federal (Fed) colocou a taxa de juro de curto prazo no seu nível mais baixo possível (entre zero por cento e 0,25 por cento para diferentes tipos de operações) e anunciou que estava a considerar outro tipo de medidas não convencionais. Estas correspondem a um relaxamento quantitativo da oferta monetária. O anúncio de que a Fed manteria a taxa de juro de curto prazo nesse nível durante um tempo prolongado responde à intenção de reduzir as taxas de longo prazo.
A decisão da Fed poderia considerar-se uma boa notícia porque leva às suas últimas consequências a tendência a embaratecer o crédito. No entanto, o anúncio é um sinal do mal que está no horizonte. Para começar, com esta medida a Fed não faz senão reconhecer o que os mercados financeiros têm estado a dizer desde há semanas sobre a debilidade do dólar (que se consolidou com esta decisão). Talvez o mais grave é que isto também é um indicador de que a Fed está preocupada com o risco de deflação (em Novembro, o índice de preços caiu 1,7 por cento).
A deflação é uma consequência imediata do colapso da procura efectiva. Ao contrário do que acontece quando há inflação, na deflação o valor real do dinheiro aumenta. E isso acarreta um problema interessante: quando a taxa de juro nominal chega a 0 por cento, o custo de pedir prestado aumenta com a taxa de deflação (porque o pagamento da dívida se tem que realizar com dinheiro cujo valor real é superior). Isto faz com que os consumidores não vão aos bancos pedir emprestado e que a procura efectiva continue deprimida. Isto explica por que o crédito continua sem fluir, apesar das reduções na taxa de juro. Para as famílias que já se encontravam endividadas, o benefício de ter que pagar menores taxas de juro vê-se contrabalançado pelo ónus de ter que repagar o principal em moeda que tem um valor real superior. Isso inclusive pode levar ao agravamento da situação de carteira vencida dos bancos.
Em 2002, Ben Bernanke, o agora governador da Fed, pronunciou um discurso premonitório. Falando sobre cenários de deflação nos quais a taxa de juro nominal é nula, assinalou que mesmo nesses casos a política monetária não teria esgotado as suas munições. A tecnologia da impressão de notas seria um instrumento fundamental para combater a queda da procura, ainda que a injecção de dinheiro na economia seja uma operação difícil. Para assegurar que o incremento na oferta monetária chegue directamente à população, a Fed poderia comprar todo o tipo de activos. Isso é algo que, em alguns casos, lhe está proibido pela sua lei orgânica. Ou, seguindo uma piada de Keynes, poderia armazenar o dinheiro em garrafas e guardá-las em minas abandonadas para que o público as fosse buscar.
No seu discurso, Bernanke preferiu usar a metáfora do lançamento de notas a partir de um helicóptero. Claro, trata-se apenas uma metáfora (cujo autor original é Milton Friedman). Mas o que revela é que quando as coisas se tornam difíceis, nem a academia nem as autoridades monetárias têm uma ideia clara de como proceder. Estamos em águas desconhecidas.
A falta de bússola é normal num sistema económico que primeiro deprime os salários reais (durante três décadas) até destruir a capacidade de compra dos lares e encostá-los ao sobreendividamento. Depois esse sistema sofre uma crise monumental devido ao colapso da procura efectiva. Não é surpreendente que no final da história se apresente uma metáfora como a do helicóptero monetário para ajudar a pensar na solução do problema. Não poderiam as coisas ter sido de outro modo?
http://infoalternativa.org/spip.php?article841

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