Após os primeiros 100 dias maratonianos nos quais o novo presidente dos EUA parecia decidido a dar uma volta de 360º a várias políticas que marcaram o perfil da Administração Bush, Obama começou a recuar em alguns dos seus apelativos anúncios.
Entre as suas primeiras medidas de Governo, Obama anunciou a proibição total da tortura, deixando aberta a possibilidade de perseguir judicialmente os responsáveis por autorizá-la e praticá-la desde o 11-S; o encerramento das prisões utilizadas pela CIA no estrangeiro; o encerramento da prisão de Guantánamo e a suspensão por três meses dos julgamentos militares, para estudar uma alternativa a eles.
O seu Departamento de Defesa, no entanto, pelejaria pouco depois nos tribunais para impedir que a Associação Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) conseguisse a desclassificação de dezenas de fotografias sobre abusos e torturas a prisioneiros no Afeganistão e no Iraque por parte de militares e agentes estadunidenses… e perdeu.
BOICOTE A UMA INVESTIGAÇÃO INDEPENDENTE
Em Abril passado, o próprio Pentágono anunciava que aceitava a decisão e que a 28 de Maio tornaria públicas as fotografias. O mal-estar cresceu – não apenas nas filas republicanas, mas também no seio das Forças Armadas –, e as divergências reflectiram-se no próprio Gabinete. Finalmente, o recém empossado presidente deu marcha atrás e nesta quarta-feira foi anunciado que tinha dado instruções para recorrer da decisão judicial e tentar evitar a revelação dessas imagens, por temor a que afectassem a segurança dos seus soldados nesses dois países.
O Governo também boicota as tentativas da esquerda democrata e de organizações defensoras dos direitos civis para que se abra uma investigação independente e se persiga os responsáveis pelas torturas.
A recente nomeação do tenente-general Stanley McChrystal como comandante em chefe das tropas dos EUA e da OTAN para o Afeganistão também não parece que possa melhorar a imagem do seu país na zona. Durante o seu exercício do Comando Conjunto das Forças Especiais (JSOC), estas protagonizaram os maiores escândalos de torturas no Iraque e no Afeganistão, merecendo os elogios de Rumsfeld, Bush e Cheney.
Os afegãos também não conseguem ver as virtudes da “nova estratégia” nesse país, depois de sofrer nos últimos meses os letais efeitos de novos “danos colaterais" entre a população civil provocados pelos bombardeamentos massivos. Em relação a Guantánamo, a Administração Obama tão-pouco fez grandes avanços.
REGRESSO DOS “JULGAMENTOS” MILITARES
As filtrações dos últimos dias sugerem que na próxima semana o presidente poderia anunciar o reinício dos agora congelados julgamentos militares (military commissions) aos prisioneiros, com poucas variações sobre o sistema utilizado desde 2002. E quanto ao encerramento da prisão em um ano, a questão complica-se perante a resistência tenaz do Partido Republicano – o senador Kit Bond, do Missouri, afirmou que «os estadunidenses não querem esses terroristas nos nossos bairros» – e a rejeição da maioria dos estados a que sejam transferidos para prisões dos EUA.
Obama tenta solucionar o problema fora das suas fronteiras. Conseguiu entregar alguns dos prisioneiros aos seus países de origem, mas em muitos outros casos não o pôde fazer pela falta de garantia total sobre as suas vidas. Alguns países europeus aceitaram a contragosto acolher um número muito limitado desses prisioneiros, mas prevalece a rejeição a ter que solucionar uma questão criada pelos próprios EUA.
Obama já tem um problema, e sério. Após deslumbrar ao mundo – ou uma parte dele, pelo menos – com a sua nova postura e as suas audazes medidas, começa a dar marcha atrás precisamente em mudanças importantes anunciadas estrepitosamente sobre alguns dos aspectos mais sinistros da Administração Bush: a sua concepção da “guerra contra o terror”, a sua violação sistemática dos direitos civis e dos direitos humanos.
http://infoalternativa.org/spip.php?article891
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