domingo, maio 10, 2009

Portagens para entrar em Lisboa

Na apresentação da sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, o dirigente bloquista Luís Fazenda apresentou várias ideias, de que a imprensa diária destacou duas: a requisição de casas devolutas e a criação de uma portagem para o acesso ao centro de Lisboa.

A primeira é de saudar, porque a especulação imobiliária tem contribuído para a desertificação do centro da capital, para a degradação de prédios e, por vezes, para derrocadas várias como a que sucedeu em princípio de Maio na esquina da Av. Miguel Bombarda. A autarquia deveria portanto requisitar temporariamente, ou mesmo expropriar de vez em nome da segurança e do interesse públicos, os imóveis abandonados e as casas devolutas.

Acontece que a desertificação do centro também tem tido consequências desestruturantes para o dia-a-dia da classe trabalhadora, obrigando a um fluxo pendular entre a periferia e o centro em que se perdem dezenas de horas por semana e, no cômputo duma vida de trabalho, anos inteiros. A escassez de creches ou locais de estudo para os filhos, a dispersão destes, dos locais de residência e de trabalho e, enfim, o deficit de transportes públicos, têm muitas vezes levado os trabalhadores a optar pelo mal menor de utilizar massivamente o automóvel privado, com custos pesados no orçamento familiar de que o governo e as petrolíferas não são inteiramente inocentes.

E com isto chegamos à segunda proposta – a das portagens para entrar em Lisboa. Luís Fazenda invocou o exemplo de Londres, em que o mayor da esquerda trabalhista Ken Livingstone tinha instituído uma portagem idêntica. E parece que, efectivamente, a inovação contribuiu para descongestionar a city londrina, e não só. Ganharam todos os residentes e transeuntes, em qualidade ambiental. E ganharam aqueles automobilistas a quem não faz diferença pagarem a taxa, porque o trânsito se tornou muito mais fluido.

Também em Lisboa se poderia esperar ganhos ambientais – claro. E também em Lisboa ganhariam os automobilistas privilegiados, que já vivam no centro ou que possam pagar sem sacrifício a tal portagem para virem ao centro. À classe trabalhadora que utiliza o automóvel – e que certamente preferiria poupar o dinheiro da gasolina, se pudesse -, a portagem viria, pelo contrário, dificultar a vida. Não é por estupidez que os trabalhadores se sujeitam a esse gasto, e sim pelas circunstâncias da vida.

É verdade que Luís Fazenda se pronunciou a favor duma “tendencial gratuitidade dos modos ferroviários suburbanos”. Sabemos o que tem dado a ambiguidade contida na maldita palavrinha: o “tendencialmente gratuito” da Constituição só tem servido para a Educação e a Saúde públicas serem, tendencialmente, cada vez mais caras. Além disso, mais do que a gratuitidade, o importante é a suficiência da oferta de transportes: não se correr o risco de esperar meia hora numa estação de comboios, depois um quarto de hora numa paragem de autocarros, e um largo etcoetera. Acresce que o automóvel privado só se irá tornando em grande parte surpérfluo na medida em que as políticas de emprego, de habitação e de criação de infraestruturas, nomeadamente escolares, vão criando mais alternativas, e mais próximas umas das outras, superando a dispersão da vida urbana.
Uma ideia peregrina
Mas, abstraindo destes problemas, de que o BE não tem culpa, fica um outro, que é clássico na política do BE. Trata-se de saber se a melhoria dos transportes colectivos deve vir antes ou depois da criação da portagem de acesso a Lisboa (com resquícios feudais, perdoem-me o parêntesis). É que, se vier antes, ela constitui uma desejável oferta dissuasória e pode supor-se (um tanto abusivamente, mas enfim…) que apenas continuarão a entrar em Lisboa de automóvel aqueles trabalhadores demasiado enquistados na inércia duma cultura automobilística que entretanto deixou de justificar-se. E a taxa de acesso poderia, nessa hipótese muito teórica, parecer justificável. Ora, o BE não é claro em afirmar que a tal oferta dissuasória tem de preceder, obrigatoriamente, a taxa de acesso.

Nestas condições, a proposta, muito ambientalista sem dúvida, será suportada por novos sacrifícios da classe trabalhadora, em benefício da burguesia e da classe média mais abastada.
http://www.jornalmudardevida.net/?p=1566

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