Podemos ser pobres, mas somos alguém. A Dulce, do café, a Carla do CCA, a Felismina, da Associação Caboverdiana, a Mena do Supermercado, são alguém. O Tony e o Toninho mortos pela polícia, apesar de já não estarem entre nós, também eram alguém.
O Bairro da Bela Vista, em Setúbal, é muito mais que a violência relatada na imprensa, por estes dias.
Esta ideia de que a Bela Vista e outros bairros pobres são uma ameaça social é, justamente, construída pela forma como são veiculadas as notícias relativamente aos mesmos e que contribui, sem dúvida, para o aumento da sua estigmatização.
É preciso lembrar que no meio daquele caos urbanístico moram homens, mulheres e crianças que vivem com dificuldades a vários níveis: sociais, educativas, laborais e limitados no seus direitos políticos. Estas pessoas esforçam-se, diariamente, por uma vida melhor e não necessitam da tolerância dos outros, mas sim da garantia dos seus direitos.
Porém, estes não fazem as primeiras páginas de jornais. O que as faz são as rusgas, os bloqueios policiais e a violência.
Não é fácil conviver nestes cenários. Por mais que as pessoas do bairro estejam habituadas, é sempre uma profunda humilhação ser-se recorrentemente revistado na rua, viver com recolheres obrigatórios e perímetros de segurança, proibido de ir trabalhar, estudar, como se não bastasse a carência e a exclusão.
O problema da Bela Vista não se resolve com rusgas e bloqueios policiais, mas sim através de políticas públicas transversais que resultem de uma profunda articulação entre os vários actores sociais: a população do bairro, a autarquia, as associações, as escolas, a segurança pública, etc. A Bela Vista sofre de problemas sociais estruturais que advêm de anos de invisibilidade, isolamento e discriminação, para além de padecer de uma enorme falta de auto-estima.
Perante esta realidade é urgente requalificar o bairro, garantir mais respostas sociais, novas infra-estruturas e coisas simples como melhorar a iluminação, a recolha do lixo, a limpeza, etc.
É preciso quebrar o ciclo de pobreza, apostar na formação e diminuir a precariedade laboral e o desemprego. Ao invés de demonizar ainda mais o bairro, espero que estes episódios sirvam para reflectir sobre os problemas da Bela Vista, criando respostas e soluções que contribuam para melhorar a vida dos seus habitantes, aqueles que não fazem as primeiras páginas dos jornais. Quando o reverendo Jesse Jackson escreveu o poema I am somebody, fê-lo com a intenção de promover o respeito e o diálogo intercultural. As pessoas da Bela Vista são alguém, não podem ser rejeitadas, discriminadas e têm direitos.
É só isso que os moradores da Bela Vista querem.
http://infoalternativa.org/spip.php?article888
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