domingo, maio 10, 2009

Um léxico de desapontamento

Nem tudo está bem na Terra dos Fãs de Obama. Não é evidente qual é exactamente a causa da mudança de humor. Talvez tenha sido o cheiro a ranço que emanou do último resgate de um banco por parte do Tesouro. Ou as notícias de que Larry Summers, o conselheiro económico chefe do presidente, ganhou milhões dos mesmos bancos e fundos de investimentos de Wall Street que agora protege da re-regulação. Ou talvez tenha começado mais cedo, com o silêncio de Obama durante o ataque de Israel a Gaza.

Qualquer que tenha sido a última gota, um crescente número de entusiastas de Obama estão a começar a encarar a possibilidade de que o seu homem não vai, de facto, salvar o mundo no caso de todos nós esperarmos isso com muita força.

Isto é uma boa coisa. Se a cultura dos superfãs que levou Obama ao poder se vai transformar num movimento político independente, com a força necessária para produzir programas capazes de enfrentar a actual crise, vamos todos ter de parar de esperar e começar a exigir.

O primeiro passo, contudo, é compreender inteiramente o estranho mundo entre duas margens em que muitos movimentos progressistas dos EUA se encontram. Para o fazer, precisamos de uma nova linguagem, uma que seja específica do momento Obama. Eis um começo.

Esperança-ressaca. Tal como uma ressaca, uma esperança-ressaca resulta de termos cometido excessos em coisas que no momento sabiam bem, mas não eram assim tão saudáveis, levando a sentimentos de remorso e mesmo de vergonha. É o equivalente político da quebra depois de uma dose excessiva de açúcar. Frase-tipo: “Quando ouvi o discurso económico de Obama, o meu coração rejubilou. Mas depois, quando tentei contar a um amigo os seus planos para os milhões de atingidos pelos layoffs e os encerramentos, dei por mim a não ter nada para dizer. Tive uma séria esperança-ressaca”.

Esperança-sobe-e-desce. Como uma montanha-russa, a esperança-sobe-e-desce descreve os intensos picos e vales emocionais da era Obama, o oscilar entre a alegria de ter um presidente que apoia a educação sexual e o desânimo de ver que os cuidados de saúde disponíveis para o contribuinte estão fora da agenda no preciso momento em que podiam tornar-se realidade. Frase-tipo: “Fiquei tão entusiasmado quando Obama disse que ia fechar Guantánamo. Mas agora estão a lutar como loucos para garantir que os prisioneiros de Bagram não tenham quaisquer direitos legais. Parem esta esperança-sobe-e-desce – quero sair!”

Esperança-saudade. Tal como com a saudade, os indivíduos com esperança-saudade são intensamente nostálgicos. Sentem a falta dos sentimentos optimistas dos dias da campanha e tentam sem cessar recuperar esse sentimento quente e reconfortante – habitualmente exagerando o significado de actos menores de decência de Obama. Frases-tipo: “Sentia uma verdadeira esperança-saudade no que diz respeito à escalada no Afeganistão, mas depois assisti a um vídeo no YouTube de Michelle no seu jardim orgânico e senti-me de novo como no dia da tomada de posse. Umas horas mais tarde, quando ouvi que a administração Obama estava a boicotar uma grande conferência da ONU sobre o racismo, a esperança-saudade voltou com força. Então vi uma apresentação de Michelle usando roupas feitas por costureiros de moda independentes e etnicamente diversos, e isso ajudou”.

Viciado em esperança. Com a esperança a desvanecer-se, o viciado em esperança, tal como o viciado em drogas, sente com força a privação, sendo capaz de tudo para sossegar. (Relacionado de perto com a Esperança-saudade, mas mais severo, afectando habitualmente homens de meia-idade.) Frase-tipo: “Joe contou-me que, na verdade, acredita que Obama nomeou propositadamente Summers para que ele deitasse a perder o resgate, e então Obama pudesse ter a desculpa para fazer o que realmente queria: nacionalizar os bancos e transformá-los em uniões de crédito. Que viciado em esperança!”

Esperança-quebrada. Tal como a apaixonada de coração partido, a obamista com esperança-quebrada não está zangada, mas terrivelmente triste. Ela projectou poderes messiânicos sobre Obama e está agora inconsolável no seu desapontamento. Frase-tipo: “Acreditei realmente que Obama iria finalmente obrigar-nos a enfrentar o legado da escravatura neste país e lançar um debate nacional sério sobre a questão racial. Mas agora ele nunca parece mencionar a raça e usa argumentos legais retorcidos até para nos impedir até de expor os crimes dos anos Bush. Cada vez que o ouço dizer ‘vamos em frente’, sinto-me esperança-quebrada outra vez”.

Reviravolta na Esperança. Como uma reviravolta, a reviravolta na esperança é uma inversão de 180º em tudo o que se relaciona com Obama. Os afectados eram outrora os mais entusiastas pregadores de Obama. Agora são os seus críticos mais acérrimos. Frase-tipo: “Pelo menos com Bush todos sabíamos que ele era uma besta. Agora temos as mesmas guerras, as mesmas prisões sem lei, a mesma corrupção em Washington, mas todos continuam a aplaudir como as mulheres de Stepford [1]. É hora de uma completa reviravolta na esperança!”

Tentando dar nome a todos estes vários padecimentos de esperança, dou por mim a pensar o que diria o falecido Studs Terkel sobre a nossa esperança-ressaca colectiva. Seguramente ter-nos-ia instado a não cair no desespero. Peguei num dos seus últimos livros, Hope dies last [A esperança é a última a morrer]. Não tive que procurar muito. O livro abre com as palavras: «A esperança nunca gotejou. Sempre brotou».

E isso diz tudo. A esperança foi uma bela palavra de ordem quando se tratava de estabelecer um candidato presidencial improvável. Mas como postura em relação ao presidente da mais poderosa nação da Terra, é de uma deferência perigosa. A nossa tarefa enquanto avançamos (como Obama gosta de dizer) não é abandonar a esperança, mas encontrar lugares mais apropriados para ela – as fábricas, bairros e escolas, onde tácticas como os sit-ins e as ocupações estão a reaparecer.

O cientista político Sam Gindin escreveu recentemente [2] que o movimento laboral pode fazer mais do que proteger o statu quo. Pode exigir, por exemplo, que as fábricas de automóveis encerradas sejam convertidas em fábricas de futuro-verde, capazes de produzir veículos de transporte colectivo e tecnologia para um sistema de energia renovável. «Ser realista significa retirar a esperança dos nossos discursos», escreveu, «e colocá-la nas mãos dos trabalhadores».

O que me leva à última entrada no léxico.

Esperança da base. Frase-tipo: “É tempo de deixar de aguardar que a esperança seja dada, e começar a erguê-la, a partir da esperança da base”.
Naomi Klein
http://infoalternativa.org/spip.php?article849

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