No dia 15.6.2009 realizou-se na Assembleia da República um colóquio parlamentar sobre a Alta Velocidade (AV) em que fomos convidados pela Comissão das Obras Públicas a fazer uma intervenção sobre a sua sustentabilidade económica e financeira. São os aspectos mais importantes dessa intervenção que divulgamos neste estudo. Mas tão grave ou ainda mais do que a AV é a continuação do investimento maciço em auto-estradas, que só agrava a dependência do País em relação ao exterior e a grave distorção do sistema de transportes assente fundamentalmente no rodoviário. Mas disso ninguém fala. É estranho que só agora os “28 conceituados economistas” tenham descoberto que é necessário aprofundar os estudos dos grandes projectos, quando há bem pouco tempo muitos deles defendiam precisamente o contrário, e têm-se mantidos mudos sobre a continuação da construção de mais auto-estradas. Mas é melhor tarde do que nunca.
A primeira conclusão que se tira da análise dos estudos feitos sobre a Alta Velocidade, é que o cenário macro-económico utilizado não tem qualquer correspondência com a realidade. Eles assentam num crescimento do PIB de 2% no período 2003-2010; de 2,3% no período 2010-2020 e de 2% no período de 2020-2030. No entanto, o crescimento económico no período 2003-2010 deverá ser apenas 0,8% (40% do previsto nos estudos). A quebra que se está a verificar no PIB torna ainda mais difícil que sejam atingidas as previsões de procura previstas nos mesmos estudos.
As previsões de aumento da procura nos estudos realizados, mesmo antes da actual crise, já eram muito difíceis, para não dizer mesmo impossíveis de serem atingidas. Segundo a RAVE, empresa tutelada pelo governo, a procura de Alta Velocidade atingiria, logo no 1º ano (2016), 4,1 milhões de passageiros, ou seja, mais 66% do que se não existisse a Alta Velocidade. A previsão da empresa de consultoria “tHR” era de 3,92 milhões de passageiros em 2016, ou seja, mais 58,7% do que se verificaria se não existisse Alta Velocidade; em 2025, seria mais 181%; e, em 2035, mais 231%. A empresa “TiS”, que elaborou o outro estudo, previa logo no 1º ano (2016) 4,12 milhões passageiros, se a taxa de desconto utilizada para actualizar os custos para o ano de 2006 fosse de 5,5%; e 5,49 milhões de passageiros em 2016 se não fossem consideradas as chamadas “externalidades”, ou seja, os benefícios resultantes da redução de acidentes, da emissão de gases, etc.. Portanto, previsões todas elas diferentes e para todos os gostos.
O crescimento da procura é condicionado pelo aumento de preços, mas isso não foi também estudado. De acordo com a empresa “tHR”, o preço da Alta Velocidade, no trajecto Lisboa-Porto, seria superior em 50% ao preço do ALFA, mas o tempo de viagem reduzir-se-ia apenas em 35,7%.
A viabilidade do projecto ficaria altamente dependente de proveitos incertos, altamente duvidosos e de difícil avaliação, que são as chamadas “externalidades” (redução da sinistralidade e das emissões de gás) e dos “benefícios económicos indirectos” (crescimento do PIB, aumento do emprego, animação do mercado imobiliário, etc.). De acordo com o estudo da empresa “tHR”, se não forem considerados os chamados “benefícios económicos indirectos”, os resultados da linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto seriam negativos e elevados. Segundo o estudo realizado pela empresa “TiS”, que fez o outro estudo de viabilidade, se não forem consideradas as “Externalidades”, seria necessário que a procura aumentasse para 5,49 milhões de passageiros logo no primeiro ano (+122% do que sem Alta Velocidade) para que a linha Lisboa-Porto tivesse viabilidade, o que é praticamente impossível de ser alcançado.
Em resumo, a viabilidade da Alta Velocidade Lisboa-Porto estaria altamente dependente de proveitos incertos, duvidosos e de difícil avaliação, como são o crescimento do emprego, o aumento do PIB, o aumento dos preços dos imóveis, a redução da sinistralidade, etc., etc.. Mesmo considerando esses proveitos, as previsões de procura apresentadas por ambas as empresas pressupõe um crescimento para valores, relativamente ao cenário sem Alta Velocidade, que parecem ser difíceis, para não dizer mesmo impossíveis de atingir. E a linha Norte é aquela em que o tráfego de passageiros é mais elevado, e que tem possibilidades de crescer mais,, o que não é idêntico com as linhas Lisboa-Madrid e Porto-Vigo. É por esta razão que estas duas últimas linhas de Alta Velocidade não têm também viabilidade económica e financeira. O estudo da TiS sobre a linha Lisboa-Madrid, que se analisou, torna isso claro.
A única razão que poderia justificar a linha Lisboa-Madrid seria o interesse de Portugal ficar ligado à rede de Alta Velocidade transeuropeia. Mas, como os estudos feitos são pouco rigorosos, seria necessário realizar novos estudos para se poder ficar a saber, com precisão, quanto custará a ligação, quer em investimento inicial, quer durante o funcionamento da linha, a fim de se avaliar quais serão os custos para o Orçamento do Estado e para as gerações futuras deste projecto, pois certamente a linha Lisboa-Madrid teria de ser altamente subsidiada pelo Estado. Seria igualmente necessário estudar o aumento da dívida externa que tal projecto determinaria, e os seus efeitos, o que ainda não foi feito em todos os estudos realizados.
http://infoalternativa.org/spip.php?article979
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