sábado, junho 13, 2009

A "naturalidade" do mito da carne


No entanto, não é unicamente a oferta da produção alimentar que determina os gostos e as escolhas gastronómicas dos consumidores. Na nossa sociedade faz parte do "senso comum" que a alimentação à base de carne de vaca, por exemplo, seja parte integrante da cadeia alimentar humana. Comer um bife de vaca é tão "natural" na nossa sociedade como comer um bife de cão é tão "natural" na China. Mas do ponto de vista dos ocidentais, esta ideia de comer animais domésticos, como o cão e o gato, com os quais (tradicionalmente) se criaram fortes laços afectivos, originam repulsa e, em muitos casos, a indignação, porque na nossa sociedade não se percepciona o cão como alimento, uma vez que é um animal convencionalmente doméstico. Por experiência empírica, ouve-se dizer, por parte de indivíduos que lidam com animais domésticos, que por vezes "só lhes falta falar" e que "têm sentimentos"; declarações que mostram o grau de relação que muitas pessoas têm com cães e gatos, o que pressupõe a existência de complexas afinidades. Já na China, cães e gatos são utilizados como alimento, o que sugere que muitos dos chineses não têm qualquer tipo de laços ou de afinidades com estes animais. Voltando às vacas, na Índia este é um animal sagrado que não está incluído nas práticas alimentares dos 1.100 milhões de habitantes. Enquanto espécies de indivíduos que habitam o planeta, há portanto uma verdadeira subordinação estrutural de todas as espécies de animais em relação à espécie humana, existindo nessa grande camada de milhares de espécies de animais umas mais subordinadas do que outras, umas mais exterminadas do que outras e algumas mais protegidas do que outras – variantes que se modificam consoante as regiões.

A inclusão de carne na nossa alimentação é tão "natural" quanto a expectativa que se cria para que os homens sejam "naturalmente" masculinos e para que as mulheres sejam "naturalmente" femininas. Ou seja, a percepção que as sociedades têm em relação aos animais e sobre a sua inclusão, ou não inclusão, na alimentação não pode ser considerada meramente "natural", assim como não pode ser desassociada de um conjunto de convenções de códigos, crenças e práticas culturais.
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