Como muita outra gente, recebi a notícia pela televisão: por sentença judicial ficara confirmada a prática de tortura sobre detidos, praticada por uma das polícias existentes, no caso a Polícia Judiciária. Pareceu-me ser, sem sombra de dúvida, uma notícia da maior importância.
Não terá sido esta a avaliação feita pela maioria das estações portuguesas de TV: tanto quanto eu tenha dado por isso (e garanto que fiz tudo para estar atento aos diversos canais, quer por visionamento directo, quer mediante gravação), só a RTP2, o tal canal de audiência menor e supostamente dedicado sobretudo a segmentos “intelectuais” do auditório, dedicou à notícia uns minutos do tempo inicial do seu noticiário da noite, embora os restantes se lhe tenham referido mais ou menos longamente lá mais para diante. Pelos vistos, os jornalistas que fixaram os alinhamentos dos serviços noticiosos não se impressionaram muito com a confirmação formal de que em Portugal se torturam presos. Julgo compreendê-los: nunca foram torturados, porventura nem sequer qualquer deles alguma vez foi preso, quer tenha merecido sê-lo quer não. Para mais, num ou noutro desses canais foi informado que os inspectores da PJ acusados da infâmia haviam sido «ilibados».
Era mentira: o tribunal considerou provada a prática da tortura e só não foi capaz de determinar qual ou quais dos réus a tinha usado e quais os que porventura dela tinham sido encobridores. De onde a absolvição por falta de provas, o que não é sinonímia de inocência.
Convém registar que tudo havia sido preparado para que os inspectores da PJ fossem absolvidos: recorreu-se mesmo a um tribunal de júri, prática rara entre nós, porque a detida que sofrera a tortura havia sido condenada por um crime que suscitara uma repugnância geral na opinião pública e seria provável que os quatro não-juristas que integrariam o júri de sete elementos reflectissem essa generalizada aversão.
Na verdade, tanto quanto se sabe, quase só a Ordem dos Advogados, cumprindo honradamente o seu dever, se bateu para que a sentença do tribunal reconhecesse o crime e revelasse o que devia ser recebido como um indignante escândalo e afinal parece não o ter sido, pelo menos para quem comanda os telenoticiários principais. E, contudo, bem se justifica o apelo do bastonário da Ordem dos Advogados no sentido da intervenção do primeiro-ministro e do presidente da República. Porque, é claro, só quem crê em contos de fadas é que acredita ter sido este o único caso de espancamentos e outros “tratamentos cruéis” em cadeias portuguesas, pelo que, além de outras eventuais interrogações, fica a gente a perguntar se algum ou alguns dos inspectores supostamente «ilibados» continuará a fazer interrogatórios a suspeitos. Ou se, no mínimo, não será melhor enviá-los para os Estados Unidos da América, que é boa e acolhedora terra, onde pelos vistos Guantámano e lugares mais ou menos equivalentes vão continuar.
Para além das três absolvições, houve condenações com pena suspensa por encobrimento dos factos e por depoimentos mentirosos.
Um dos condenados foi Gonçalo Amaral, inspector agora “ex”, tristemente célebre por ser o obstinado acusador do casal McCann como responsável pela morte e desaparecimento da sua filha. Agora, esta condenação por mentira lança um inevitável lampejo de luz sobre a credibilidade que o homem merece, mas o que é curioso é que em ambos os casos, o de Maddie McCann e o de Joana, a filha da detida agora comprovadamente torturada pelos subordinados de Amaral, tratou-se de crianças desaparecidas e porventura assassinadas cujos corpos nunca apareceram.
É decerto apenas uma coincidência, mas é uma coincidência tristíssima. Quanto ao resto não sei nada, ou melhor, só sei o que a televisão me vai ensinando, que é pouco.
E, como neste caso mais uma vez se viu, além de pouco é pelo menos trapalhão e indutor em erro.
http://infoalternativa.org/spip.php?article924
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