O propósito de conceder direitos exclusivo de reprodução ao autor – o copyright – é beneficiar toda a sociedade. Este monopólio encarece o acesso à obra para, mesmo indirectamente, aumentar o incentivo à criatividade e enriquecer a cultura. Mas este aumento de preço dificulta o acesso e, para maximizar o bem social, a legislação deve equilibrar o incentivo do autor com o desincentivo do consumidor. É importante frisar este ponto porque muitos defendem estes direitos como inerentes ao autor, o que é um erro. Por exemplo, os artistas que pedem uma extensão de vinte anos aos direitos sobre gravações argumentam que cinquenta anos é pouco porque, quando se reformarem, deixam de receber pelo que gravaram meio século antes. O sustento dos reformados é um problema de todos e não se justifica conceder aos artistas reformados mais direitos que aos outros. A menos que isso nos beneficie a todos por incentivar a criatividade.No entanto, nos cento e poucos anos de copyright mundial, a tendência tem sido sempre para reforçar o monopólio. Isto levanta a possibilidade de se ter ultrapassado o ponto ideal de equilíbrio entre o incentivo ao artista e a facilidade de acesso à obra e estar agora o próprio copyright a inibir a criação cultural. Até 1999 isto era muito difícil de testar. Mas desde o Napster que a partilha de ficheiros nos dá uma oportunidade por retirar, na prática, muito do poder que o copyright tinha. Na semana passada, Felix Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf disponibilizaram uma versão preliminar de uma análise empírica desta questão. Estes economistas de Harvard têm publicado sobre o conflito entre as discográficas e a partilha de ficheiro (1), e agora relatam um conjunto de indicadores que parecem confirmar a hipótese. O copyright que temos hoje na lei está muito além do ponto óptimo e está a inibir a criatividade artística. A prova disso é o que aconteceu nos últimos sete anos, durante os quais partes desta lei têm sido violadas por muita gente.No ano de 2000 foram editados 35 mil álbuns comerciais. Em 2007 foram oitenta mil. A produção mundial de filmes passou de três mil e oitocentos em 2003 para cinco mil em 2007. Nos EUA, o aumento foi de 495 para 590. E a publicação de livros novos aumentou 66% entre 2002 e 2007. Claramente, a diminuição do poder do copyright teve um efeito benéfico na criatividade. Em parte, isto explica-se por a criação artística não ser como a maioria dos trabalhos. Para o artista, o dinheiro não é o mais importante, e três quartos dos músicos profissionais têm outro emprego para os sustentar. O gosto pelo que fazem, a fama e a capacidade de atrair membros do sexo oposto ou, em alguns casos, do mesmo sexo, são também incentivos importantes. Outro factor relevante é que a quebra nas vendas de CD neste período, devido à concorrência de muitas outras forma de entretenimento e não apenas à partilha de ficheiros, foi acompanhada por uma subida nas vendas de bilhetes para concertos. Juntando estas duas fontes de rendimento, o mercado da música aumentou 5% de 2000 para cá – o contrário do cenário negro que os vendedores de CD apregoam. A redução drástica no poder do copyright desviou as vendas de alguns produtos, como CD e DVD, para outros como bilhetes de concerto e de cinema, e a complementaridade entre os ficheiros partilhados e estes serviços aumentou o volume de negócio. Menos copyright é bom para a produção artística.E isto mesmo sem considerar o outro lado da equação. Menos copyright é sempre bom para o usufruto da arte, visto o copyright ser uma restrição ao acesso. Por isso reduzi-lo será uma boa ideia sempre que os benefícios do acesso mais fácil compensem os prejuízos de reduzir o incentivo dos autores. Não havendo esse efeito indesejado é evidente que se deve ter menos copyright. Até porque a divisão entre criador e consumidor é mais conceptual que real. Qualquer artista tem de ser um ávido consumidor de arte para poder contribuir algo com a sua criatividade, e facilitar o acesso é, por si, já um incentivo à criatividade.
«Descarreguei centenas e centenas de discos – porque me importaria se alguém descarregar o nosso? É tão mesquinho preocupar-se com isso. Na verdade, quanto dinheiro é que uma pessoa precisa? Pessoalmente, acho que é nojento quando se queixam disso» Robin Pecknold, vocalista dos Fleet Foxes. Bands 'better because of piracy', via Remixtures
Mais sobre isto no Sócrates (o verdadeiro), no Remixtures e no blog do Michael Geist. O artigo, em formato pdf, está aqui: File-Sharing and Copyright. Obrigado a todos os que me enviaram emails com a notícia (e desculpem a demora, mas o final de semestre é sempre assim...).
1- Por exemplo, Oberholzer-Gee, Felix and Koleman Strumpf (2007). The Effect of File Sharing on Record Sales: An Empirical Analysis. Journal of Political Economy 115(1): 1-42.
http://ktreta.blogspot.com
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