Em 2006, Olivier Blanchard, actual director do FMI, esteve em Portugal e apresentou como "receita" para aumentar a competitividade da economia a redução de 20% nos salários nominais dos trabalhadores portugueses. Desde esse ano, personalidades como Silva Lopes e Vítor Bento, com acesso privilegiado aos media, têm defendido uma "receita" semelhante que, apesar de não ter qualquer novidade, tem sempre grande repercussão mediática. Todos eles manifestam uma ignorância deliberada sobre os níveis salariais em Portugal. O INE acabou de publicar as Estatísticas do Emprego referentes ao 1º Trimestre de 2009. E anexas a essas estatísticas foram também divulgadas as estruturas salariais dos trabalhadores portugueses por conta de outrem (TCOs) referentes ao 1º Trimestre de 2009. Elas mostram que o modelo de económico português baseado em baixos salários persiste, não tendo registado qualquer alteração significativa nos últimos anos, e que a "teoria" da redução de salários para enfrentar a crise, para além de ser socialmente inaceitável e moralmente injusta, só agravaria ainda mais a grave crise que o País enfrenta.
Assim, segundo o INE (Quadro I), no 1º Trimestre de 2009, 1.577.100 trabalhadores por conta de outrem, ou seja, 40,6% do total de trabalhadores tinham um salário liquido inferior a 600 euros por mês. Apenas 483,1 mil, ou seja, 12,4% do total, recebiam um salário líquido mensal superior a 1.200 euros por mês. Os que recebiam mais de 1.800 euros por mês eram apenas 3,8% do total.
Em Portugal continua-se a verificar desigualdades salariais grandes entre as diferentes regiões do País (Quadro II). No 1º Trimestre de 2009, segundo o INE; a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal liquido inferior a 600 euros era de 49,7% na Região Norte; de 45% na Região Centro; de apenas 25% na Região de Lisboa; de 42,7% na Região do Alentejo; de 33,5% na Região do Algarve; de 55,3% na Região Autónoma dos Açores; e de 44,4% na Região Autónoma da Madeira. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem é de 12,4% a nível do País; de 9,9% na Região Norte; de 6,7% na Região Centro; de 21% na Região de Lisboa; de 9,7% na Região do Alentejo; de 10,6% na Região do Algarve; de 10,7% na Região Autónoma dos Açores; e de 9,5% na Região Autónoma da Madeira. Portanto, as disparidades salariais entre as várias regiões do País continuam a ser grandes.
Em Portugal também continua-se a verificar grandes desigualdades salariais entre os diferentes sectores da economia (Quadro III). No 1º Trimestre de 2009, segundo também o INE, a percentagem de trabalhadores por conta de outrem a receber um salário mensal líquido inferior a 600 euros era de 63,5% na Agricultura e Pescas; de 46,1% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 37,2% no sector de Serviços. Se a análise for feita tomando como base a percentagem de trabalhadores que tem um salário líquido mensal superior a 1.200 euros, a percentagem era de 1,1% na Agricultura e Pescas; de 6,3% na Indústria, Construção, Energia e Água; e de 15,8% no sector de Serviços. Portanto, as disparidades salariais entre os vários sectores da economia continuam a ser grandes em Portugal.
É num País em que uma parte significativa dos trabalhadores continua a auferir salários extremamente baixos — cerca de 41% recebe mesmo um salário liquido inferior a 600 euros por mês —, e em que se verificam grandes desigualdades salariais entre as diferentes regiões e entre os diferentes sectores que alguns, aproveitando-se da crise, vêm de novo defender o congelamento ou mesmo a redução dos salários com a justificação de que isso é necessário para enfrentar a crise actual. Numa crise, como é esta, em que a quebra na procura constitui a causa principal, a redução dos salários só a agravaria, na medida que determinaria uma maior quebra na procura e a subida acentuada dos incumprimentos nos pagamentos. Foi isso precisamente o que veio dizer o próprio governador do Banco de Portugal (Lusa, 27/05/2009), que é uma personalidade que não se tem caracterizado por defender os trabalhadores; muito pelo contrário. É evidente que a defesa da redução dos salários aproveitando a crise visa manter um modelo económico baseado em salários ainda mais baixos, que a experiência já mostrou o total fracasso, e garantir os lucros das grandes empresas.
http://resistir.info/e_rosa/tcos_2009.html
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