Em ParisVerão é tempo de férias para quem pode. Não será o caso para mais de metade da população parisiense que não tem meios para tanto. A imprensa por seu lado, já vai falando de uma baixa significativa de turistas em visita à capital. Efeitos evidentes da crise. Mas, se tal não é o seu caso e está a pensar em visitar Paris, aproveite para descobrir uma das facetas do Paris operário actual: o Paris dos imigrantes sans papiers [sem papéis], clandestinos.
Vá direito à Praça da República, desça o boulevard du Temple em direcção à Bastilha e, quando começar a aproximar-se do número 35, verá um mar de gente acampada, mais propriamente amontoada, no largo passeio em frente da Bolsa de Trabalho (Rue Charlot). Serão 400, 500, ou talvez 600, quase todos imigrantes sans papiers, clandestinos e quase todos africanos. Uns com alguns meses de França apenas, outros com anos e anos de residência e trabalho, a pagar impostos e a descontar para as diferentes caixas, mas sempre sem papelada em dia… Um problema antigo como é antigo o movimento operário industrial nas metrópoles imperialistas que, contrariamente ao que muita gente pensa, não é do desagrado do patronato.
Que fazem aqui, dia e noite, estes trabalhadores africanos, acompanhados de mulheres e crianças, sentados ou meio estendidos sobre caixotes em cartão e plásticos espalhados sobre o asfalto? Lutam. Protestam. Contra o governo claro está. Pela revogação das leis racistas de Sarkozy e do ministro Hortefeux, pela regularização colectiva de milhares e milhares de clandestinos.
Mas não só. Desta vez, lutam e protestam contra a política repressiva e racista da principal central sindical — a CGT!
O que se passou para chegarmos a este estado de coisas?
Ao começo da tarde do passado dia 24 de Junho, elementos do serviço de ordem da CGT, encapuçados, armados de bastões e barras de ferro, munidos de gases lacrimogéneos, invadem de surpresa o átrio da Bolsa de Trabalho para desalojar os trabalhadores imigrantes clandestinos do chamado CSP 75 (comité des sans papiers de Paris) que o ocupam parcialmente desde há 14 meses.
Aproveitam a ausência de uma parte dos ocupantes que, como de costume, vêm para a rua todas as quartas-feiras para alimentar o protesto desta longa luta que se tinha iniciado com greves nas empresas. Perante a resistência dos presentes, os esbirros da CGT matracam, gaseiam e ferem – com o apoio dos CRS (polícia de choque) que os apoiam nesta baixeza – e acabam por pôr na rua os 25 emigrantes (homens e mulheres) que asseguravam a permanência. No dia seguinte, Bernardette Citeaux, porta-voz da união departamental CGT – façamos toda a publicidade possível aos autores desta vergonha – dirá: “os nossos camaradas tentaram evacuar os sans papiers com espírito de responsabilidade”…
Para justificarem esta violência, os burocratas sindicais pretendem que esta ocupação (parcial) da Bolsa entravava seriamente as actividades (burocráticas) dos sindicatos parisienses e como não haviam conseguido resolver este desacordo táctico por meios mais doces… Pretexto miserável que nos recorda uma outra agressão histórica cometida nas vésperas de Natal de 1980 sempre contra os mais desprotegidos, os mais frágeis, os mais oprimidos dos proletários e sempre pelos responsáveis da mesma corrente político-sindical.
Foi nesse dia negro que a municipalidade “comunista” de Vitry-sur-Seine saiu para a rua enquadrada pelo seu presidente e com a ajuda de um buldozer procura desalojar os trabalhadores imigrantes (desta vez “legais”) recentemente instalados num lar Sonocotra. O pretexto infame era então da mesma ordem: os municípios “comunistas” rejeitavam veementemente o exclusivo da residência dos imigrantes da região e exigiam que “tal miséria” fosse repartida com os autarcas de direita…
O internacionalismo, a solidariedade operária deixaram de ser, desde há muito, o lema indefectível que norteia a actividade política desta corrente cada vez mais fraca, cada vez mais decadente, no seio do movimento operário. Os sentimentos chauvinistas, racistas predominam no seio das direcções das confederações sindicais e quando, de tempos a tempos, pressionadas pela luta, acabam por se inserir nos colectivos de apoio aos imigrantes, o seu apoio não vai além de uma certa compaixão selectiva no quadro do “dialogo social” que as esferas do poder não cessam de elogiar.
http://www.jornalmudardevida.net/?p=1638
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