No meu último artigo, "Notas sobre como o sector financeiro realmente funciona" , pus em contraste aquilo que se afirmava fazer o moderno sistema financeiro e o que ele realmente faz. Como, ao invés de canalizar fundos de poupadores pessoais para o investimento industrial produtivo, ele agora parece operar no sentido inverso. As companhias industriais e comerciais são agora depositantes líquidas junto aos bancos, os quais concedem empréstimos para financiar consumo pessoal ou despesas improdutivas do Estado. Isto vai de mãos dadas com uma valorização especulativa de todas as espécies de activos em papel. Os lucros nocionais provenientes da comercialização nesta valorização de papel foram então distribuídos aos executivos, traders e accionistas dos bancos, minando o seu capital de base. Quando o nível de dívida tornou-se finalmente insustentável, os grandes bancos em Nova York e Londres revelaram-se estar efectivamente insolventes.
O primeiro sinal disto foi uma corrida ao Northern Rock Bank. Este banco experimentou um crescimento rápido ao embarcar na versão britânica dos empréstimos subprime — oferecendo hipotecas superiores a 100% dos preços da propriedade. Uma vez que os fundos dos seus milhões de pequenos depositantes eram insuficientes para financiar esta expansão, ele tornou-se dependente do mercado do dinheiro por atacado — tomando emprestado essencialmente de outros bancos ou de grandes companhias industriais.
A reserva fracionária da banca desde os seus primórdios sempre dependeu de os bancos terem um grande número de depositantes. Devido à lei dos grandes números, a quantia que estes clientes desejassem retirar numa única semana será quase estável. Um banco pode estimar isto de forma razoavelmente precisa e precisa manter apenas uma pequena reserva de cash. Mas o Northern Rock estava a obter apenas cerca de um terço do seu dinheiro dos seus milhões de depositantes. Os outros dois terços vinham apenas de uma dúzia de grandes prestamistas. Isto era algo muito mais arriscado. A lei dos grandes números já não se aplicava mais. Bastou que apenas um punhado destes grandes prestamistas retirassem o seu cash para o Northern Rock tornar-se insolvente.
Quando rumores disto difundiram-se, os pequenos depositantes fugiram. Formaram-se filas em cada agência quando clientes clamavam pela retirada do seu dinheiro.
A princípio o governo britânico disse que não havia necessidade de pânico pois o esquema de garantia de depósito existente garantia todos os depósitos até £30.000 [€34.561]. A seguir eles mudaram o seu tom e disseram que o governo nacionalizaria o Northern Rock e garantiria todos os depósitos, por maior que fossem.
Isto estabeleceu um precedente crítico. Ao invés de permitir que os grandes bancos falissem, o Estado os salvaria. Esta política veio a ser geralmente adoptada no Reino Unido e nos EUA quando mais e mais instituições mostraram sofrer da mesma fraqueza fundamental do Northern Rock.
Os governos exprimiram alívio pelo facto de a sua acção ter impedido a espécie de colapso em cascata que se verificou em 1929, mas o custo foi um crescimento da dívida pública sem precedentes desde as Guerras Mundiais. Os contribuintes estão a acabar por ter de pagar os milhares de milhões embolsados pelos banqueiros. Isto levanta a pergunta: havia qualquer outra política factível disponível?
Havia uma alternativa política, mas as suas implicações fizeram os governos recuarem.
Os bancos insolventes podiam simplesmente ter sido permitido que falissem. O esquema de garantia de depósito que operava no Reino Unido garantindo até £30,000 por depositante era generoso, políticas semelhantes aplicavam-se ou podiam ter sido aplicadas em outros lados. Trinta mil libras equivalem a cerca de 18 meses de salários médios. Apenas uma pequeníssima minoria de depositantes podia permitir-se manter mais do que isto no banco. Assim, a grande maioria do povo nada teria a perder. Não teria havido qualquer necessidade de pânico geral.
Mas alguns credores teriam perdido em grande forma. Embora a maior parte dos clientes tivesse apenas quantias modestas depositadas, umas poucas pessoas e instituições muito ricas tinham dezenas de milhões depositados. Para eles, a garantias de depósito eram praticamente sem valor. Eles não teriam ficado arruinados. Possuem carteiras diversificadas, não apenas cash. Mas ainda assim teriam enfrentado perdas enormes. Os perdedores primários teriam sido outros bancos, aqueles que tinham dinheiro pendente devido a empréstimos a bancos insolventes. Teríamos assistido a uma cascata de insolvências ainda maior do que realmente veio a público. Mas, por si próprias, estas insolvências não destruiriam qualquer riqueza real.
A riqueza real, na forma de mercadorias, edifícios e equipamento, permanece intacta em meio a um colapso financeiro.
O que teria sido destruído seria algumas reivindicações (claims) sobre aquela riqueza por parte dos ricos. O milhão de milhões (trillion) de dólares de salvamento publico foi feito para proteger aquelas reivindicações. Se todos dos depósitos bancários acima do limite de garantia se desvanecessem, o sistema plutocrático de classe estaria ameaçado. Para que dinheiro?
Adam Smith, o fundador da teoria económica, disse que o dinheiro era "o poder de comandar o trabalho de outros". Na moderna plutocracia, milhões na sua conta desempenham o mesmo papel de um título de nobreza sob o velho feudalismo. Os títulos dos modernos grandes duques, como Buffet e Gates, estão no disco rígido de um banco ao invés de pergaminhos, mas eles, tal como os seus antecessores aristocráticos, comandam as vidas e o trabalho de centenas de milhares.
A maior parte do povo olharia com indiferença ou satisfação se aquela classe perdesse alguns dos seus títulos e grandeza.
O único perigo para a economia real aconteceria se pagamentos não pudessem ser honrados e o crédito operacional não pudesse ser fornecido à indústria. Se todos os bancos fechassem, cartões de crédito e compras através de cheque tornar-se-iam impossíveis. Assim os bancos falidos teriam de ser colocados sob administração para assegurar que transacções comerciais ordinárias pudessem continuar. Mas como assegurar que crédito operacional ainda estaria ali para a indústria?
O sistema de crédito tornou-se amplamente super-expandido. O rácio do dinheiro bancário virtual para com o dinheiro real tornou-se insustentável. Ou o Estado tem recorrer à máquina de impressão para criar mais $ e £, ou o dinheiro virtual tem de ser cancelado. A alternativa para a facilidade quantitativa (quantitative easing) era o Jubileu — o esquecimento geral de todas as dívidas. Um Jubileu moderno teria declarado legalmente inválidas todas as dívidas incorridas antes do Dia Zero, com a excepção de modestos depósitos bancários garantidos. Aqueles que mourejam para cumprir dívidas de hipotecas e cartões de crédito teriam sido libertados. O contribuinte teria sido libertado do fardo esmagador da dívida nacional e, surpreendentemente, os bancos teriam sido tornados super-solventes. Os seus passivos ter-se-iam contraído em relação às suas reservas de cash. Subitamente, as suas capacidades para conceder empréstimos teriam melhorado.
Tais medidas não são em si próprias socialistas. A indústria teria permanecido na posse de privado. Mas isto teria atingido a aristocracia do dinheiro do modo como a Revolução Francesa atingiu a aristocracia da terra. É por esta razão que apenas governos com inclinações socialistas começaram deliberadamente a cancelar dívidas. Os social-democratas russos fizeram isto após 1917, e pouco tempo mais tarde, embora inadvertidamente, os social-democratas alemães alcançaram um efeito semelhante através da hiper-inflação. Hoje, os governos do Reino Unido e dos EUA desviaram-se para rumo ao caminho alemão da década de 1920: imprimir dinheiro para pagar guerras actuais ou passadas. O Jubileu é o rumo mais honesto e progressista.
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