segunda-feira, julho 27, 2009

PERSPECTIVAS ECONÓMICAS RASTEIRAS

O capitalismo é o primeiro sistema social na história. Nunca a concatenação da reprodução da vida foi tão especializada e tão densificada. A economia empresarial tem sido extensivamente decomposta. Já nem graxa para sapatos pode ser produzida sem profundas divisões de funções e infra-estruturas; até a fruta e o leite são distribuídos a nível continental. Mas esta socialização, assinalada com uma expressão famosa como ligação em rede universal, encontra-se na forma da privacidade e da particularidade de empresas e indivíduos. O contexto do conjunto, designado nas ciências sociais como “síntese social”, é dirigido pela “mão invisível” da concorrência universal do mercado, que se apresenta a todos os actores como um cego poder de leis sistémicas.

Embora a dinâmica independentizada deste contexto descontrolado caminhe ecológica e economicamente para um beco sem saída, nada é considerado tão tabu como um planeamento social consciente. O neo-liberalismo está considerado falido, mas deixou na consciência social uma orientação sem precedentes para perspectivas económicas rasteiras. As expressões de regulação fraca das cimeiras económicas embatem nos interesses particulares de empresas e nacões, que já pressupõem sempre as cegas “forças do mercado”. Mas também os indivíduos, mesmo os mais pobres e precarizados, sentem-se átomos sociais concorrentes como nunca antes. Dos produtores de leite aos controladores de tráfego aéreo, há apenas e só lutas especiais particulares, que deixam de fora o impenetrável contexto social. Quando os trabalhadores de uma empresa de fabrico automóvel em dificuldades circulam com T-shirts com a inscrição “Somos da Opel” é porque já assumiram o ponto de vista da economia empresarial como próprio; incluindo a disponibilidade para cortar na própria carne em prol do interesse da existência precária da empresa.

Mas também a crítica social desmoralizada pensa a partir de perspectivas económicas rasteiras. A “economia solidária” pretende apenas pequenas alternativas “paralelas” à “síntese social” destrutiva – desde a ajuda de vizinhança à trapalhice monetária das moedas regionais. Cooperativas, ocupações de empresas e empresas em auto-gestão limitam-se à tentativa de auto-administração no interior da respectiva área de produção, mas acabam por fracassar, como recentemente na Argentina, perante as coerções da concorrência no mercado, ou têm de se transformar em auto-exploração. A “pobreza auto-organizada” é em todo o caso uma opção da administração capitalista da crise.

Enquanto não se resolver o problema da “síntese social” não existe outra alternativa. É tempo de os movimentos sociais redescobrirem a questão do planeamento social. Isso não funciona em “modelos” particulares, mas apenas em grande escala social, incluindo as infra-estruturas. O Estado seria a este respeito como uma raposa a guardar o galinheiro, porque ele é apenas a instância de conexão dos interesses privados do mercado. Foi por isso mesmo que falhou o socialismo real como planeamento burocrático estatal do mercado. A tarefa pendente consiste num planeamento social global do fluxo dos recursos para além do mercado, do Estado e da tacanhez nacional ou regional. Actualmente quase ninguém quer pensar nisso. Mas a crise profunda da forma dominante de sociabilidade poderá colocar o problema na agenda histórica.
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