“O Que É a Propriedade?” (1840)
- Oh! (...) você é republicano.
- Republicano, sim; mas essa palavra não diz nada de preciso.Res publica é a coisa pública. Ora, quem quer que queira a coisa pública, sob uma forma qualquer de governo, pode-se dizer republicano. Os reis também são republicanos.
- Ora bem; você é monárquico?
- Não.
- Constitucionalista?
- Deus me livre.
- É então aristocrata?
- De modo nenhum.
- Quer um governo misto?
- Ainda menos.
- Mas então o que é que você é?
- Sou anarquista.
- Percebo: faz sátira; visa o governo.
- De maneira nenhuma: acaba de escutar a minha profissão de fé séria e maduramente reflectida; apesar de muito amigo da ordem, sou, com toda a força que o termo tem, anarquista.Oiça-me.
O homem, para atingir a mais rápida e perfeita satisfação das suas necessidades, procura a regra: nos começos esta regra é viva, visível e tangível; é o seu pai, o seu mestre, o seu rei. Quanto mais ignorante é o homem, mais absoluta é a obediência e confiança no seu guia. Mas o homem, cuja lei é a conformação com a regra, quer dizer descobri-la pela reflexão e pela razão, o homem raciocina acerca das ordens dos seus chefes: ora um tal juízo é um protesto contra a autoridade, um começo de desobediência. A partir do momento em que o homem procura os motivos da vontade soberana, a partir desse momento, o homem é um revoltado.Se já não obedece porque o rei ordena mas porque o rei prova, pode-se afirmar que a partir de então ele não reconhece nenhuma autoridade, e que se fez rei de si próprio. Infeliz daquele que ouse conduzi-lo e que só lhe ofereça, como sanção das suas leis, o respeito de uma maioria: pois, tarde ou cedo, a minoria passará a ser maioria, e este déspota imprudente será derrubado e todas as suas leis aniquiladas.
(...) Anarquia, ausência de mestre, de soberano, tal é a forma de governo de que nos aproximamos de dia para dia, e que o hábito inveterado de considerar o homem como regra e a sua vontade como lei nos faz ver como o cúmulo da desordem e como expressão do caos. Conta-se que um burguês de Paris do século XVII, tendo ouvido dizer que em Veneza não havia rei, não conseguia refazer-se do espanto e pensou morrer de riso perante uma notícia tão ridícula. Tal é o nosso preconceito: todos nós queremos um chefe ou chefes; e possuo neste momento uma brochura cujo autor, comunista zeloso, sonha, como um outro Marat, com a ditadura.
(...) Esta síntese da comunidade e da propriedade será chamada liberdade.
Para determinar a liberdade, não juntamos assim sem discernimento a comunidade e a propriedade, o que seria um ecletismo absurdo.Procuramos por meio de um método analítico o que cada uma delas contém de verdadeiro, de conforme com a vontade da natureza e leis da sociabilidade, eliminamos o que encerram de elementos estranhos; e o resultado dá uma expressão adequada à forma natural da sociedade humana, numa palavra, a liberdade.
A liberdade é igualdade, porque a liberdade não existe senão no estado social, e porque fora da igualdade não há sociedade.
A liberdade é anarquia, porque não admite o governo da vontade, mas apenas a autoridade da lei, quer dizer, da necessidade.
A liberdade é variedade infinita, porque respeita todas as vontades, dentro dos limites da lei.
A liberdade é proporcionalidade, porque deixa toda a latitude à ambição do mérito e à emulação da glória.
A liberdade é essencialmente organizadora: para assegurar a igualdade entre os homens, o equilíbrio entre as nações, é preciso que a agricultura e a indústria, os centros de instrução, de comércio e de armazenagem sejam distribuídos consoante as condições geográficas e climitéricas de cada país, as espécies de produtos, o carácter e os talentos naturais dos habitantes, etc, em proporções tão justas, tão sábias, tão bem combinadas que nenhum lugar apresente excesso ou falta de população, de consumo e de bens.Aqui começa a ciência do direito público e do direito privado, a verdadeira economia política.
(...) A política é a ciência da liberdade: o governo do homem pelo homem, sob qual seja o nome de que se mascare, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade encontra-se na união da ordem e da anarquia.
O fim da antiga civilização chegou; debaixo de um novo sol, a face da terra vai renovar-se.Deixemos que uma geração se extinga, deixemos morrer no deserto os velhos prevaricadores: a terra santa não cobrirá os seus ossos. Jovem, indignado com a corrupção do século e devorado pelo zelo da justiça, se a pátria vos é cara, se o interesse da humanidade vos toca, ousai tomar a causa da lberdade. Despi-vos do vosso velho egoísmo, mergulhai na torrente popular da igualdade nascente; aí, a vossa alma reanimada possuirá uma seiva e um vigor desconhecidos; o vosso génio amolecido reencontrará uma energia indomável; o vosso coração, talvez já murcho, rejuvenescerá.Tudo mudará de aspecto aos vossos olhos purificados: novos sentimentos farão renascer em vós novas ideias; religião, moral, poesia, arte, linguagem, aparecer-vos-ão sob uma forma maior e mais bela; e, a partir de agora, seguro da vossa fé, entusiasta com reflexão, saudareis a aurora da regeneração universal.
PROUDHON
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