quinta-feira, agosto 13, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

Pierre Joseph Proudhon – Idéia Geral Da Revolução No Século Dezenove (Capítulo Quatro)

III - A Monarquia Constitucional

Antes de 89, o Governo na França ainda era o que é ainda na Áustria, na Prússia, e em outros vários países na Europa, um poder incontrolado, com certas instituições que tinham a força da lei para tudo. Era, como disse Montesquieu, uma monarquia qualificada. Esse Governo desapareceu, junto com os privilégios feudais e eclesiásticos que haviam aceitado defender, sem aviso, quase conscientemente. Ele foi substituído, após choques violentos, e muitas oscilações, pelo tão aclamado Governo representativo, ou Monarquia Constitucional. Seria exagero dizer que a liberdade e prosperidade do povo logo então aumentaram, exceto pelo alívio dos direitos feudais que foram abolidos, e pela venda da propriedade nacional que foi confiscada. Entretanto, é certo que e deve ser admitido que essa nova retirada do princípio governamental causou a revolucionária negação do governo avançar até um certo tanto. Essa é a razão real, decisiva, que faz para nós que consideramos apenas o direito, a monarquia constitucional preferível à monarquia qualificada; da mesma maneira que a democracia representativa, ou o domínio do sufrágio universal, nos parece preferível ao constitucionalismo, e o governo direto preferível à representação.

Mas já deve ser previsto que quando chegarmos nesse último termo, governo direto, a confusão estará em seu auge; e não haverá outra escolha, ou continuar o desenvolvimento do governo, ou proceder para a sua abolição.

Deixe-nos resumir nossa crítica.

Soberania, dizem os Constitucionalistas, está nas Pessoas. O Governo emana delas. Logo, deixe a parte mais esclarecida da Nação ser convocada para eleger cidadãos que sejam os mais notáveis, por conta de sua fortuna, sua sabedoria, seus talentos ou suas virtudes, que são os mais diretamente interessados na justiça das leis e boa administração do Estado, e que são os mais capazes de executar sua parte lá. Deixe esses homens, periodicamente reunidos e regularmente consultados, entrarem nos Conselhos do príncipe, e participarem no exercício da autoridade deste. Nós teremos então, feito tudo que é possível para confiar na imperfeição de nossa natureza, para a liberdade e prosperidade dos homens. Então o Governo não apresentará perigo, já que estará sempre em contato com o Povo.

Com certeza, são grandes palavras, mas palavras que indicariam uma mudança notável, se, desde 89, e graças principalmente à Rousseau, não tivéssemos aprendido a acreditar na boa fé daqueles todos que lidam com assuntos públicos.

Devemos primeiro entender o sistema constitucional, a interpretação desse novo dogma, a soberania do Povo. Em outro momento buscaremos compreender o que é essa soberania.

Até a Reforma, o Governo vem sendo tomado como de direito divino: [10] Omnis potestas a Deo [10]. Após Lutero, começou a ser considerado uma instituição humana: Rousseau, que foi o primeiro a captar essa visão, deduziu sua teoria a partir disto. O Governo tem sido a partir do alto: ele o fez vir de baixo, através do maquinário do sufrágio, mais ou menos universal. Ele não se preocupou em entender se o Governo por sua vez se tornou corrupto e fraco, era por causa do princípio da autoridade, que aplicado a nações é falso e enganador; que, em conseqüência, não era a forma nem a origem do Poder que era necessário mudar, mas sim negar sua aplicação.

Rousseau não viu que a autoridade, cuja própria esfera é a família, é um princípio místico, anterior e superior à vontade das partes interessadas, do pai e da mãe, bem como das crianças; que o que é verdadeiro da autoridade na família também seria verdadeiro da autoridade na Sociedade, se a Sociedade continha em seu princípio e razão de alguma autoridade qualquer; que, uma vez que a teoria de uma autoridade social é admitida, ela não pode de forma alguma depender de um acordo; que é contraditório que aqueles que devem obedecer a autoridade devem começar por decretá-la. Por outro lado, se o Governo deve existir, ele existe pela necessidade das coisas; que, como na família, é parte de uma ordem natural ou divina, a qual para nós é a mesma coisa; que não é apropriado para ninguém discuti-la ou julga-la; que logo, longe do poder se submeter ao controle dos representativos, à jurisdição de assembléias populares, cabe apenas ao governo preservar, desenvolver, renovar e se perpetuar, por um método inviolável, o qual ninguém possui o direito de tocar, e que deixa aos seus súditos apenas permissão para oferecer suas humildes opiniões, informação e condolência, que iluminarão a justiça do príncipe.

Não há dois tipos de governo, assim como não há dois tipos de religião. Governo se dá pelo direito divino, oi não é nada, assim como religião se dá pelo céu ou não é nada. Governo Democrático e Religião Natural são duas contradições, a menos que você prefira enxergar nelas duas mistificações. O Povo não possui mais voz no Estado do que têm na Igreja: seu papel é acreditar e obedecer.

Então, como princípios não podem estar enganados, assim como apenas homens têm o direito de serem ilógicos, o Governo, tanto o de Rousseau quanto o da Constituição de 89, e todos aqueles que o sucederam, é sempre, apesar das formas de eleições, apenas um Governo por direito divino, uma autoridade mística e sobrenatural, que se impõe sobre a liberdade e consciência, enquanto toma ares de pedir seu apoio.

Acompanhem essa série:

Na família, na qual a autoridade está intimamente ligada aos sentimentos humanos, autoridade se impõe por geração.

Entre povos selvagens ou bárbaros, se impõe pelo patriarcado, o qual está incluído na categoria prévia, ou pela força.

Entre grupos sacerdotais, se impõe pela fé.

Em aristocracias, se impõe por primogenitura ou casta.

No sistema de Rousseau, se impõe por quantidade, ou por número.

Geração, força, fé, primogenitura, quantidade, número, todas elas coisas igualmente ininteligíveis e impenetráveis, sobre as quais ninguém deve raciocinar, apenas se submeter; esses são, não direi os princípios, - Autoridade, como Liberdade, se reconhece apenas como um princípio, - mas os diferentes modos através da qual se completa, nas sociedades humanas, a investidura do Poder. Para um primitivo, superior, anterior e indiscutível princípio, o instinto popular sempre buscou uma expressão a qual deveria ser igualmente primitiva, superior, anterior e indiscutível. No que concerne à produção do Poder, força, fé, hereditariedade, ou número, são as formas variáveis que revestem essa provação; elas são os julgamentos de Deus.

Número oferece à sua mente algo mais racional, mais autêntico, mais moral, que fé ou força? A urna lhe parece mais confiável que tradição ou hereditariedade? Rousseau declama contra o direito do mais forte, como se força, ao invés de número, constituísse usurpação. Mas o que é número? O que ele prova? O que ele é válido? Que relação há entre a opinião dos votantes, mais ou menos sincera e unânime, e aquela que comanda toda opinião, toda votação, - verdade e direito?

O que? Trata-se de tudo que me é mais querido, minha liberdade, meu trabalho, comida para minha mulher e filhos; e quando eu espero fazer um acordo com você, você envia todo o assunto para uma assembléia, selecionada pelo acaso! Quando eu me apresento para fazer um contrato, você me diz que é necessário eleger árbitros, os quais, sem me conhecer, se me entender, irão sentenciar minha absolvição ou condenação! Que relação há, eu pergunto, entre essa assembléia e eu? Quais garantias ela pode me oferecer? Porque eu deveria fazer esse sacrifício enorme, irreparável a sua autoridade, aceitar qualquer coisa que ela deseje resolver, como a expressão da minha vontade, como a medida dos meus direitos? E quando essa assembléia, após debates sobre os quais eu não entendo nada, prossegue ao impor sua decisão sobre mim como uma lei, sob a mira da baioneta, eu pergunto, se é verdade que eu sou um soberano, o que acontece com a minha dignidade? Se eu devo me considerar como um contratante, onde está o contrato?

Eles dizem que os representantes serão os mais capazes, os mais honestos, os homens mais independentes do país, selecionados como tais pelos cidadãos mais interessados na ordem, na liberdade, na prosperidade dos trabalhadores, e no progresso. Um plano inteligentemente bolado, que responde pelas boas intenções dos candidatos!

Mas porque o honorável burguês que compõe a classe media entende meus interesses melhor do que eu mesmo? O assunto diz respeito ao meu trabalho, e a troca do meu trabalho, coisas as quais, juntamente com o amor, menos toleram autoridade, como o poeta diz:

[11] Non bene conveniunt, nec in una sede morantur
Majestas et amor! ... [11]

E você vai dispor do meu trabalho, meu amor, por representação, sem meu consentimento! Quem pode me afirmar que seus representantes não usarão seus privilégios para fazer o Poder que ele os dá um instrumento para saque. Quem me garantirá que a sua pequenez de número não os levará a corrupção, mãos, pés e consciências atadas? E se eles não se permitirem corromper, se eles falharem em fazer a autoridade escutar a razão, quem pode me assegurar que a autoridade irá se submeter?

De 1815 a 1830, o país, como legalmente constituído, estava continuamente em guerra com autoridade: o conflito acabou em revolução. De 1830 a 1848, a classe eleitoral, devidamente aumentada após a infeliz experiência da Restauração, foi exposta às tentações do Poder; a maioria já tinha se corrompido quando o 24 de Fevereiro explodiu: a traição novamente terminou em revolução. A prova já foi tirada: não será tentada novamente. Agora, defensores do sistema representativo, vocês nos farão um grande serviço se nos preservarem casamentos forçados, corrupção ministerial, insurreições populares: [12] A spiritu fornicationis, ab incursu et daemonio meridiano. [12]

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