Qu'est-ce que la propriété?, 1840
Se tivesse que responder à seguinte pergunta: Que é a escravatura? e respondesse simplesmente: É o assassinato, o meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não necessitaria de um longo discurso para mostrar que o poder de privar um homem do seu pensamento, vontade e personalidade é um poder de vida e de morte e que, fazer de um homem um escravo, é assassiná-lo. Assim, porque é que a esta segunda pergunta: Que é a propriedade? não posso responder também: É o roubo, sem ter a certeza de ser entendido, se bem que esta segunda proposição não seja mais do que a primeira transformada (p. 131).
Certo autor ensina que a propriedade é um direito civíl nascido da ocupação e sancionado pela lei; esse outro sustém que é um direito natural que tem a sua origem no trabalho: e estas doutrinas, por opostas que pareçam, são encorajadas, aplaudidas. Sustento que nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem causa: serei por isso repreensível?
Quantos murmúrios se levantam!
- A propriedade é o roubo! Eis o toque a rebate de 93! Eis a confusão das revoluções! (pp. 131-132).
Sim, todos os homens acreditam e repetem que a igualdade de condições é idêntica à igualdadede direitos; que propriedade e roubo são termos sinónimos; que qualquer preeminência social, concedid,a, ou melhor, usurpada sob o pretexto de superioridade de talento e de serviço, à iniquidade e banditismo: todos os homens, repito, atestam estas verdades na sua alma; trata-se apenas de fazer com que se apercebam disso (p. 135).
A justiça é o astro central que governa as sociedades, o pólo em redor do qual gira o mundo político, o princípio e a regra de todas as transacções. Entre os homens, nada se faz que não seja em virtude do direito; nada se faz sem a invocação da justiça. A justiça não é em absoluto obra da lei; pelo contrário, a lei é sempre uma declaração e uma aplicação do justo, em todas as circunstâncias em que os homens podem estar numa relação de interesses. Assim, pois, se a ideia que tinhamos do justo e do direito estava mal determinada, se era incompleta ou mesmo falsa, é evidente que todas as nossas aplicações legislativas serão más, as nossas instituições estarão viciadas e a nossa política será errónea: portanto, haverá desordem e mal social (p. 144).
... Sem a ordem da justiça, o trabalho destrói a propriedade (p. 205).
O capitalista, dizem, pagou as jornas dos operários; para ser exacto, deve dizer-se que o capitalista pagou tantas vezes uma jorna quantos operários empregou diariamente, o que não é precisamente a mesma coisa. Com efeito, esta força imensa que resulta da união e da harmonia dos trabalhadores, da convergência e da simultaneidade dos seus esforços, essa, não a pagou. Duzentos granadeiros erigiram em poucas horas o obelisco de Luqsor; alguém supõe que um só homem, em duzentos dias, teria conseguido o mesmo? Não obstante, na conta do capitalista a soma dos salários havia sido idêntica. Pois bem, um deserto a cultivar, uma casa a edificar, uma manufactura a explorar, é o obelisco a erigir, é uma montanha a mudar de lugar. A mais pequena fortuna, o mais simples estabelecimento, o accionamento da indústria mais débil, exige um concurso de trabalhos e talentos tão diversos que o mesmo homem não seria suficiente para isso. Resulta surpreendente que os economistas não tenham tido em conta este facto. Façamos pois o balanço daquilo que o capitalista recebeu e do que pagou.
Ao trabalhador faz-lhe falta um salário que lhe dê para viver enquanto trabalha, posto que só produz consumindo. Quem quer que ocupe um homem deve-lhe comida e mantimentos ou um salário equivalente. É a primeira coisa que se deve fazer em toda a produção (pp. 215-216).
Separai os trabalhadores uns dos outros, e acontecerá talvez que a jorna paga a cada um ultrapasse o valor de cada produto individual: mas não é disso que se trata. Uma força de mil homens em acção durante vinte dias foi paga como o seria a força de um durante 55 anos; mas esta força de mil realizou em vinte dias o que a força,de um só, repetindo o seu esforço durante um milhão de séculos, não poderia realizar: é equitativa a compra? uma vez mais, não: quando vós [capitalistas] pagastes todas as forças individuais, não pagastes a força colectiva; por consequência, continua a existir um direito de propriedade colectiva que não adquiristes e do qual desfrutais injustamente (p. 217).
Caminharemos por meio do trabalho para a igualdade; cada passo que damos aproxima-nos cada vez mais dela; e se a força, a deligência, a destreza dos trabalhadores fossem iguais, é evidente que as fortunas também o seriam. Com efeito, se, como se pretende e como nós cremos, o trabalhador for proprietário do valor que cria, segue-se:
1. Que o trabalhador adquire um direito de propriedade à custa do proprietário ocioso.
2. Que, sendo toda a produção necessariamente colectiva, o operário tem direito, na proporção do seu trabalho, à participação nos produtos e nos lucros.
3. Que, sendo todo o capital acumulado uma propriedade social, ninguém pode fazer dele propriedade exclusiva (p. 218).
Ora, este facto incontestável e incontestado da participação geral em cada espécie de produtos tem como resultado tornar comuns todas as produções particulares: de tal modo que cada produto, ao sair das mãos do produtor, se encontra previamente marcado com uma hipoteca pela sociedade (p. 240).
O trabalhador é, face à sociedade, um devedor que morre necessariamente insolvente; o proprietário é um depositário infiel que nega o depósito posto à sua guarda e quer receber dinheiro pelos dias, meses e anos que o guardou (p. 241).
Coisa singular! A comunidade sistemática, negação reflectida da propriedade, é concebida sob a influência directa do preconceito da propriedade; e é a propriedade que se encontra na base de todas as teorias dos comunistas. Os membros de uma comunidade, é certo, não têm nenhum bem próprio; mas a comunidade é proprietária, e proprietária não só dos bens, mas também das pessoas e das vontades (p. 326).
E tal como o direito da força e o direito da astúcia se restringem ante a determinação cada vez mais ampla da justiça, e terminam esfumando-se na igualdade, assim também a soberania da vontade cede frente à soberania da razão e acabará por se destruir num socialismo científico. A propriedade e a realeza estão a desmoronar-se desde o princípio do mundo; tal como o homem procura a justiça na igualdade, a sociedade busca a ordem na anarquia (p. 339).
O proprietário, o ladrão, o herói, o soberano, posto que todos estes nomes são sinónimos, impõe a sua vontade e não sofre nem contradição nem controlo, ou seja, pretende ser simultaneamente poder legislativo e poder executivo (p. 341).
Suprimai a propriedade conservando a possessão; e, mediante esta única modificação no princípio, mudareis tudo nas leis; o governo, a economia, as instituições. Expulsareis o mal da Terra (pp. 345-346).
Todo o trabalho humano, necessariamente resultante de uma força colectiva, converte toda a propriedade, por essa mesma razão, em colectiva e indivisa: em termos mais precisos, o trabalho destrói a propriedade. Sendo toda a capacidade trabalhadora, tal como qualquer instrumento de trabalho, um capital acumulado, uma propriedade colectiva, a desigualdade de tratamento e de fortuna, sob o pretexto de desigualdade de capacidade, é injustiça e roubo (p. 346).
A política é a ciência da liberdade o governo do homem pelo homem, qualquer que seja o nome, sob que se oculte, é opressão; a mais alta perfeição da sociedade encontra-se na união da ordem com a anarquia (p. 346).
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