Système des contradictions economiques, 1846, vol. I
A maioria dos filósofos, como dos filólogos, só vê na sociedade um ser de razão, ou melhor, um nome abstracto que serve para designar uma colecção de homens. Que os substantivos colectivos, os substantivos de género e de espécie, não designem, em absoluto realidades, isso é um preconceito que todos adquirimos na infância com as primeiras lições de gramática. Muito haveria para dizer acerca desta matéria; limito-me ao meu assunto. Para o verdadeiro economista, a sociedade é um ser vivo dotado de uma inteligência e de uma actividade próprias, regido por leis especiais que só a observação permite descobrir e cuja existência se manifesta, não sob uma forma física, mas pelo acordo e íntima solidariedade entre todos os seus membros. Assim, quando, há pouco, sob o símbolo de um deus fabuloso, fazíamos a alegoria da sociedade, a nossa linguagem, no fundo, nada tinha de metafórico; era ao ser social, unidade orgânica e sintética, que nós acabávamos de dar um nome. Para quem reflectiu sobre as leis do trabalho e da troca deixei de lado quaisquer outras considerações) a realidade, e estive quase a ponto de dizer a personalidade do homem colectivo, é tão certa quanto a realidade e a personalidade do homem individual. Toda a diferença está em que este se apresenta aos sentidos sob o aspecto de um organismo cujas partes mantêm uma coerência materia1, circunstância que não existe na sociedade. Mas a inteligência, a espontaneidade, o desenvolvimento, a vida, tudo o que constitui a realidade do ser no mais alto grau é tão essencial para a sociedade como para o homem (p. 123).
É impossível e contraditório, que no sistema actual das sociedades o proletariado alcance o bem-estar pela educação ou a educação pelo bem-estar. Com efeito, sem contar já que o proletário, o homem-máquina, é tão incapaz de suportar o desafogo como a instrução, está demonstrando, por um lado, que o seu salário tende sempre menos a elevar-se que a descer, e por outro, que a cultura do seu espírito, mesmo que a pudesse receber, ser-lhe-ia inútil, pelo que há para ele uma incitação constante para a barbárie e para a miséria. Tudo o que, nestes últimos anos, se tentou em França e Inglaterra com vista a melhorar a sorte das classes pobres relativamente ao trabalho das crianças e das mulheres e ao ensino primário, a menos que seja o fruto de uma intenção do radicalismo, foi feito à margem dos dados económicos e em prejuízo da ordem estabelecida. O progresso, para a massa dos trabalhadores, é sempre um livro fechado a sete chaves; e não é por meio de contra-sensos legislativos que o implacável enigma será explicado (p. 164).
Com a máquina e a oficina, o direito divino, quer dizer o princípio de autoridade, fez a sua estreia na economia política. O Capital, a Deminação, o Privilégio, o Monopóilio, a Comandita, o Crédito, a Propriedade, etc., tais são, em linguagem económica, os diversos nomes de um não sei quê a que costumam chamar Poder, Autoridade, Soberania, Lei escrita, Revelação, Religião, enfim, Deus, causa e princípio de todas as nossas misérias e de todos os nossos crimes, e que quanto mais procuramos definir, mais se nos escapa.
Será impossível que, no estado presente da sociedde, a oficina, com a sua organização hierárquica, e as máquinas, em vez de servirem exclusivamente os interesses da classe menos numerosa, menos trabalhadora e de todas a mais rica, sejam empregadas para o bem comum? Isso é o que iremos examinar (p. 195).
A família não é, por assim dizer, o tipo, a molécula orgânica da sociedade. Na família, como muito bem o tinha observado de Bonald, existe um só ser moral, um só espírito, uma só alma, e quase diria, como a Bíblia, uma só carne. A família é o tipo e o berço da monarquia e do patriciado; nela reside e se conserva a ideia de autoridade e de soberania, que se apaga cada vez mais no Estado. Foi sobre o modelo da família que todas as sociedades antigas e feudais se organizaram, e é precisamente contra esta velha constituição patriarcal que se revolta a democracia moderna.
A unidade constitutiva da sociedade é a oficina (p. 238).
É uma consequência do desenvolvimento das contradições económicas o facto de a ordem na sociedade se mostrar em princípio como que do avesso; aquilo que deve estar em cima estar situdo em baixo; aquilo que deve ser posto em relevo parecer côncavo, e aquilo que deve receber luz ser lançado na sombra. Assim, o poder que, por essência, é, como o capital, auxiliar e subordinado do trabalho, torna-se, pelo antagonismo na sociedade, o espião, o juiz e o tirano das funções produtivas; o poder, a quem a sua inferioridde original manda obediência, é príncipe e soberano.
Em todos os tempos as classes trabalhadoras buscaram contra a casta oficial a solução desta antinomia, cuja chave só a ciência económica pode dar (p. 289).
Seguido as definições da ciência económica, pelo contrário, definições conformes à realidade das coisas, o poder é a série dos improdutivos que a organização social deve tender infinitamente a reduzir. De que maneira, pois, com o princípio de autoridade tão caro aos democratas, o voto da economia política, voto que é também o do povo, se poderia realizar? Como é que o governo que, seguido esta hipótese, é tudo, se tornaria um servidor obediente, um órgão subalterno? (pp. 340-341).
O poder, instrumento da força colectiva, criado na sociedade para servir de mediador entre o trabalho e o privilégio, encontra-se fatalmente ligado ao capital e dirigido contra o proletariado (p. 345).
Para as classes trabalhadoras, o problema consiste, então, não em conquistar, mas em vencer, ao mesmo tempo, o poder e o monopólio, o que significa fazer surgir das entranhas do povo, das profundezas do trabalho, uma autoridade maior, um facto mais poderoso, que envolva o capital e o Estado e que os subjugue (p. 345).
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