segunda-feira, agosto 10, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

Pierre Joseph Proudhon – Idéia Geral Da Revolução No Século Dezenove
(Capítulo Quatro)

Tradução Inglês-Português: Rafael Hotz

Quarto estudo. O princípio da autoridade

Eu imploro que o leitor me perdoe, se me escapar no caminho desse estudo uma expressão que revele alguma falta de auto-estima. Eu tenho o duplo remorso, de estar nesta grande questão da autoridade, por um lado, até agora, sozinho ao afirmar a revolução categoricamente; por outro, de ter idéias perversas atribuídas a mim, as quais, mais do que qualquer um, abomino. Não é minha culpa se, ao apoiar tão eminentemente tal tese, eu pareço defender minha própria causa. No fim das contas eu devo fazê-lo, mesmo que eu não me defenda com tanta vivacidade, de forma que a inteligência do leitor não seja prejudicada. Além do mais, nossa mente está construída de tal forma que ela nunca vê a luz melhor que quando ela surge de um choque de idéias opostas. O Homem, diz Hobbes, é um animal lutador. Foi o próprio Deus, quando nos colocando nesse mundo, nos deu essa instrução: Expandam, multipliquem, trabalhem e lutem.

Há doze anos atrás, se eu bem me lembro, enquanto me ocupava com pesquisas sobre as fundações da sociedade, sem ter em vista eventualidades políticas, impossíveis de serem previstas, mas meramente, eu fui o primeiro a lançar sobre o mundo uma negação que desde então obteve grande renome, a negação do Governo e da Propriedade. Outros antes de mim, para parecerem originais, bem humorados, ou buscando um paradoxo, negaram esses dois princípios; ninguém fez dessa negação o sujeito de um criticismo sério, sincero. Um dos nossos jornalistas de melhor índole, Sr.Pelletan, me defendendo um dia, por espontânea vontade, fez essa afirmação singular aos seus leitores, que, ao atacar de vez em quando a propriedade, de vez em quando poder, de vez em quando outra coisa, eu estava atirando no ar, para atrair a atenção dos cabeças-ocas. Sr.Pelletan foi muito bondoso de fato, e eu não posso ser muito grato a ele por sua gentileza: ele deve ter me tomado por um literário.

É hora de o público saber que, em filosofia, em política, em teologia, em história, negação é um requerimento preliminar para uma afirmação. Todo progresso ao abolir algo; toda reforma descansa sobre a denúncia de algum abuso; cada nova idéia é baseada na comprovada insuficiência da idéia anterior. Logo, o Cristianismo, ao negar a pluralidade dos deuses, ao se tornar ateu, do ponto de vista pagão, afirmou a unicidade de Deus, e dessa unicidade deduziu toda sua teologia. Logo, Lutero, ao negar a autoridade da Igreja, afirmou a autoridade da razão, e depositou a primeira pedra da filosofia moderna. Logo, nossos pais, os revolucionários de 89, negando a suficiência da ordem feudal, afirmaram, sem compreender, a necessidade de um sistema diferente, o qual é a missão de nosso tempo explica-lo. Logo, finalmente, eu, tendo demonstrado novamente, sob os olhares dos meus leitores, a ilegitimidade e fraqueza de poder do governo como um princípio de ordem, farei se levantar dessa negação uma idéia afirmativa, produtiva, que deve levar a uma nova forma de civilização.

Para melhor explicar minha posição nessa pesquisa, eu farei outra comparação.

É com idéias assim como com máquinas. Ninguém conhece o inventor das primeiras ferramentas, a enxada, o rastelo, o machado, a carriola, o arado. Eles são encontrados entre todas as nações do globo desde a mais remota antiguidade. Mas essa espontaneidade não é encontrada com instrumentos aperfeiçoados, a locomotiva, o daguerreótipo, o balonismo, o telégrafo elétrico. O dedo de Deus, eu me arrisco a dizer, não está mais lá, os nomes dos inventores, as datas dos primeiros experimentos, são conhecidos: a ajuda da ciência, juntamente com prolongada habilidade prática, foram requeridas.

Assim nasceram e se desenvolveram as idéias que servem para guiar a raça humana. As primeiras são fornecidas por intuição imediata, espontânea, na qual prioridade não pode ser demandada por ninguém. Mas o dia vem quando esses presentes do senso comum não bastam mais para a vida coletiva: é aí que a razão, que sozinha pode mostrar essa insuficiência, pode suprir o que falta. Todas as nações produziram e organizaram por si mesmas, sem a ajuda de professores, as idéias de autoridade, de propriedade, de governo, de justiça, de adoração. Agora que essas idéias estão se enfraquecendo, que uma análise metodológica, uma investigação oficial, diria eu, estabeleceu sua insuficiência, no tribunal da razão e da ciência, a questão para nós é descobrir, através da ciência, que substituto podemos achar para idéias as quais, de acordo com o veredicto da ciência, são condenadas como falsas e injuriosas.

Aquele que abertamente, na presença do povo, por um ato extrajudicial, for o primeiro a propor uma visão direcionada contra o governo e a propriedade estabelecida, está compelido a explicar no futuro duas idéias para uma nova organização social. Eu tentarei essa solução, assim como eu tentei anteriormente seu criticismo: eu quero dizer que após ter dado aos meus contemporâneos consciência de suas próprias deficiências, eu tentarei explicar o segredo de suas próprias aspirações. Deus proibiu que eu me identificasse como um profeta, ou que eu pretendesse ter inventado uma idéia! Eu vejo, eu observo, eu escrevo. Eu devo dizer, com o Escritor de Salmos: eu acreditei porque eu falei.

Por que é que das questões mais simples que ambigüidades devem surgir?

Prioridade em concepções filosóficas não é mais um objeto de emulação que prioridade em invenções industriais, com mentes elevadas que conhecem seu valor e buscam a glória de sua descoberta, apesar destas não poderem ser nem vendidas nem patenteadas. No domínio do raciocínio, assim como naquele das melhorias mecânicas aplicadas às artes, há rivalidades, imitações, quase disse falsificações, não que eu tema pelo uso de um termo tão forte, para caluniar uma ambição honorável, o que confirma a superioridade da geração presente. A idéia de Anarquia teve sua sorte. A negação do governo sendo renovada desde a revolução de Fevereiro com novo ardor e algum sucesso, certos homens de renome nos partidos democráticos e socialistas, aos quais a idéia de Anarquia lhes gerava inquietação, pensaram que eles poderiam apropriar os argumentos direcionados contrários ao governo, que eram negativos em sua essência, pensaram que eles poderiam restabelecer o mesmo princípio que estava em jogo, sob um novo nome, e com algumas modificações. Sem pretender, sem suspeitar, esses cidadãos honoráveis tomaram a posição de contra-revolucionários, desde que uma falsificação, já que essa palavra explica minha idéia melhor que qualquer outra, uma falsificação, em assuntos políticos e sociais, é realmente contra-revolução. Eu irei provar isso imediatamente. Isso é o que essas restaurações da autoridade realmente são, foram levadas em competição com anarquia, e ocuparam a atenção pública sobre os nomes de Legislação Direta, Governo Direto, dos quais os autores ou editores são, em primeiro lugar, os Srs. Rittinghausen e Considerant, e em seguida, Sr. Ledru Rollin.

De acordo com os Srs. Rittinghausen e Considerant, a primeira idéia de governo direto veio da Alemanha; quanto ao Sr. Ledru-Rollin, ele apenas a associa, e com ressalvas, para nossa primeira revolução; essa idéia facilmente sendo observada na Constituição de 93, e no Contrato Social.

Deve ser compreendido, que se eu intervenho em meu turno na discussão, não é para pleitear uma prioridade a qual eu rejeito com toda minha força nos termos nas quais a questão foi posta. Governo Direto e Legislação Direta me parecem as duas maiores gafes nos anais da política e filosofia. Como que o Sr. Rittinghausen, que entende filosofia alemã a fundo; como que o Sr. Considerant, que há dez ou quinze anos escreveu um panfleto, intitulado [1] Desmanche Político Na França [1]; como que o Sr. Ledru-Rollin, que, quando se inscreveu para a Constituição de 93, fez esforços tão generosos e fúteis para tornar o governo direto praticável, e para reduzi-lo além das fronteiras do senso comum; como é que, eu me pergunto, que esses Srs. não entenderam que os próprios argumentos que eles usam contra o governo indireto, não possuem força quando não aplicados igualmente contra o governo direto; que seu criticismo é admissível apenas quando feito absoluto; e que, em parando na metade do caminho, eles caíram na mais lastimável inconseqüência? Acima de tudo, como é que eles não viram que sua pretensa idéia de governo direto não passa de uma redução ao absurdo da idéia governamental; ao passo que, se através do progresso de idéias e complexidade de interesses, a sociedade é forçada a abjurar qualquer tipo de governo, isso acontecerá justamente porque governo direto, a única forma de governo que parece racional, liberal, igual, é, no entanto, impossível?

Enquanto isso vem o Sr. de Girardin, aspirando, sem dúvida, a ter uma participação na invenção, ou ao menos, na sua finalização, o qual propôs essa fórmula: Abolição da Autoridade através da Simplificação do Governo. O que estava fazendo o Sr. de Girardin com essa besteira? Tal mente, tão cheia de recursos, não pode nunca contida! Você é muito apressado, Sr. de Girardin, para completar algo. Autoridade é para o governo o que o pensamento é para a palavra, a idéia para o fato, a alma para o corpo. Autoridade é o governo em seu princípio, assim como o governo é a autoridade em pratica. Para abolir os dois, sendo uma abolição de verdade, deve-se abolir ambos. Pela mesma moeda, preservar um ou o outro, se a preservação for efetiva, é manter ambos.

No entanto, a simplificação do Sr.de Girardin é a tempos conhecida do público. É uma combinação de personagens emprestados do que mercadores chamam de seu Jornal. Há três burocratas: o primeiro chamado Débitos, o segundo chamado [2] Ativos [2], e o terceiro chamado Saldo. Nada está faltando exceto o Chefe, que os ordena e direciona. Entre as milhares de idéias as quais o cérebro do Sr. de Girardin despeja todos os dias, nenhuma delas fazendo se estabelecendo, não há dúvidas que ele não irá falhar em achar uma para suprir a sua indispensável função de governo.

Justiça seja feita com o público. O que o público tem visto mais claramente é que dentre todas essas chiques invenções governamentais, Governo Direto, Governo Simplificado, Legislação Direta, Constituição de 93, o Governo, seja ele qual for, é doente, e tendendo mais e mais à Anarquia. Meus leitores podem dar a essa palavra o significado que escolherem. Deixe os Srs. Considerant e Rittinghausen irem atrás de suas pesquisas; deixe Sr. Ledru Rollin ir a fundo na Constituição de 93; deixe Sr. de Girardin ter mais confiança em suas aspirações, e devemos chegar sem demora na pura negação. Isso feito, faltará apenas, ao opor a negação a si mesma, como os Alemães dizem, descobrir a afirmação. Avante, inovadores! Menos afobação e mais audácia! Sigam a luz que apareceu a você na distância; você está na fronteira entre o mundo antigo e o novo.

Em março e abril, 1850, a Revolução pôs a seguinte questão para voto: Monarquia ou República? Os votantes de declararam a favor da República: a Revolução venceu.

Eu me esforço para mostrar que o dilema de 1850 não teve outro significado senão esse: Governo ou Não-Governo? Se vocês podem refutar esse dilema, reacionários, então vocês terão abalado o coração da revolução.

Quanto a Legislação Direta, Governo Direto e Governo Simplificado, eu acho que seus autores farão bem em se resignarem, assim que possível, se eles possuem a menor estima por seus papéis como revolucionários, ou pelo rótulo de pensadores liberais.

Eu serei breve. Eu sei que volumes seriam necessários para explicar uma questão tão grave, com a forma devida e incluindo todas as implicações práticas. Mas a mente do povo é rápida em nosso tempo: eles entendem tudo, adivinham tudo, sabem tudo. Sua experiência diária, sua espontaneidade intuitiva, tomam o lugar de dialética e erudição: eles podem abreviar em algumas páginas, o que, em não mais do que há quatro anos, teria demandado um folio dos publicitários profissionais.

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