De la justice dans la révolution et dans l'Église, vol. III, 1858
A ideia, com as suas categorias, nasce da acção e deve voltar à acção, sob pena de inabilitação para o agente. Isto significa que todo o conhecimento, dito a priori, inclusive a metafísica, saiu do trabalho e deve servir de instrumento ao trabalho contrariamente àquilo que ensinam o orgulho filosófico e o espiritualismo religioso, que fazem da ideia uma revelação gratuita, vinda não se sabe como, e de que a indústria (1) é tão-só uma posterior aplicação (p. 69).
Vamos mais longe: se, como há pouco dizíamos, a reflexão, e por consequência a ideia, nasce no homem da acção e não a acção da reflexão, é o trabalho que deve prevalecer sobre a especulação, o homem de indústria sobre a filosofia, o que é a ruína do preconceito e do estado social actual (p. 71). A primeira parte da nossa proposição está pois estabelecido: a ideia, com as suas categorias, nasce da acção; por outras palavras, a indústria é mãe da filosofia e das ciências.
Falta demonstrar a segunda: a ideia deve voltar à acção; o que significa que a filosofia e as ciências devem regressar à indústria, sob pena de degradação para a humanidade. Uma vez feita esta demonstração, o problema da libertação do trabalho está resolvido. Recordemos, primeiramente, em que termos este problema foi colocado. O trabalho apresenta dois aspectos contrários, um subjectivo, outro objectivo. ...Sob o primeiro aspecto, é espontâneo e livre, princípio de felicidade: é a actividade no seu exercício legítimo, indispensável para a saúde da alma e do corpo. Sob o segundo aspectos o trabalho é repugnante e penoso, principio de servidão e de embrutecimento (p. 81).
Diz-se no texto que a obra de Le Play, Les ouvriers européens-obra muito volumosa in-fólio de 300 páginas -, ... tem como única finalidade dar o método a seguir para a escravizarão dos trabalhadores. Todo o § LIII, páginas 106 a 112 do Estudo IV, Da Justiça, é o desenvolvimento do pensamento de Le Play. Para que não nos acusem de calúnia, vamos dar um resumo do suposto método de Le Play... Le Play não crê, de modo algum, na igualdade das condições e das fortunas; não crê na igualdade perante a lei, por consequência, na Justiça. Em contrapartida, não duvida minimamente da necessidade de uma hierarquia social; quer, portanto, e com toda a força das suas convicções, a manutenção daquilo que compõe esta hierarquia, a propriedade e os seus privilégios, o domínio industrial e suas prerrogativas, o capitalismo e seus dividendos, a Igreja e suas dotações, a centralização e o seu mundo de funcionários, o exército e a conscrição; enfim, o trabalhador, mas o trabalhador disciplinado, classificando, fixado, obediente. Quanto a uma revolução política, económica, social, Le Play repele-a energijcamente.
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(1) No sentido de habilidade para fazer alguma coisa. - (N. dos T.).
Mas, tal como fizemos notar no texto, para reprimir o traballhador, é preciso, pelo menos, que as necessidades dele sejam satisfeitas; é preciso, se queremos que prescinda do supérfluo, assegurar-lhe o necessário. O importante, a questão essencial, o verdadeiro problema social, segundo Le Play, é, pois, o de determinar o salário mesquinho do operário, com o qual, findo o dia de trabalho, este só possa pensar em beber, comer e dormir, mas sem o qual é sempre de recear que se revolte (p. 132).
É aquilo a que ele chama aplicar o método de observação à economia política. De acordo com este princípio, Le Play efectuou a monografia de trinta e seis classes distintas de operários, observados na Suécia, Rússia, Turquia, Alemanha, Inglaterra, França, etc. (p. 133).
Julgo inútil insistir nesta,distinção fundamental entre a razão individual e a razão colectiva, a primeira essencialmente absolutista, a segunda aversa a todo o absolutismo.
Vemos a razão colectiva destruir incessantemente, com as suas equações, o sistema formado pela coalisão das razões particulares: logo, não é somente distinta como superior a todas elas, e a sua superioridade vem-lhe justamente do facto de o absolutismo, que ocupa um lugar tão importante junto das outras, perante ela desaparecer (p. 268).
Sustenho que a razão colectiva resultante do antagonismo entre as razões particulares, tal como do poder público resultado concurso das forças individuais, é uma realidade igual a este poder; e posto que ambas se reúnem na mesma colectividade, concluo daí que formam os dois atributos essenciais do mesmo ser, a razão e a força.
Foi esta Razão colectiva, a um tempo teórica e prática, que desde há três séculos começou a dominar o mundo e a implir a civilização na via do progresso (pp. 268-269).
O órgão da razão colectiva é o mesmo que o da força colectiva: é o grupo trabalhador, instrutor; é a companhia industrial, sábia, artista; são as academias,
escolas, municípios; é a Assenibleia Nacional, o clube, o júri; é toda a reunião de homens, em suma... (p. 270).
É inútil citar Hegel: ele nega e ridiculariza a liberdade, do mesmo modo e forma que Espinosa havia executado Descartes, conduzindo, como Espinosa, em política, ao absolutismo (pp. 383-384).
Qual é pois este movimento pelo qual o livre arbítrio, procedendo, ao mesmo tempo, à manifestação e à idealizarão do ser social, cria a história e o desitino? (p. 419).
Em presença de tão grandes esforços, ante o labor imenso de uma natureza que se procura, se ensaia, se experimenta, se faz, se desfaz, se refaz de uma outra maneira, que muda de princípio, de método e de fim, é possível negar a existência na humanidade de uma função especial, que não é nem a inteligência, nem o amor, nem a Justiça? (p. 422).
O que é, pois, o progresso? (p. 494). Confesso que fui outrora iludido por este emboca-bola fisiológico-político que não resistiu muito tempo ao exame (p. 495). Não, não há nenhum papel para a liberdade no sistema de Hegel; portanto, nenhum progresso. Hegel consola-se com esta perda, do mesmo modo que Espinosa. Chama liberdade ao movimento orgânico do espírito, dando ao da natureza o nome de necessidade. No fundo, diz ele, estes dois movimentos são idênticos: por isso, acrescenta o filósofo, a mais elevada liberdade, a maior independência do homem consiste em saber-se determinado pela ideia absoluta (p. 501).
É como se alguém dissesse que a mais elevada liberdade política consiste, para o cidadão, em saber-se governado pelo poder absoluto: o que deve pôr à vontade os partidários da ditadura perpétua e do direito divino (p. 501).
Eis, pois, o que se comprovou: o progresso, segundo todas as definições que dele foram dadas, não só não é devido à nossa liberdade, senão que ainda menos é o testemunho da nossa virtude. É o signo da nossa servidão (p. 509).
Afirmo, que o Progresso é, acima de tudo, um fenômeno de ordem moral, cujo movimento irradia em seguida, quer para o bem, quer para o mal, sobre todas as faculdades do ser humano, colectivo e individual. Esta irradiação da consciência pode operar-se de duas maneiras, conforme siga a via da virtude ou a do pecado. No primeiro caso, chamo-lhe Justificação ou aperfeiçoamento da humanidade por si própria; tem como efeito fazer crescer indefinidamente a humanidade em liberdade e em Justiça; por conseguinte, desenvolver cada vez mais o seu poder, as suas faculdades e os seus meios, e consequentemente elevá-la acima do que nela há de fatal: é nisto, como veremos dentro em breve, que consiste o progresso. No segundo caso, chamo ao movimento da consciência Corrupção ou dissolução da humanidade por si própria, manifestada pela perda sucessiva dos costumes, da liberdade, do génio, pela diminuição da coragem, da fé, pela degenerescência das raças, etc.: é a decadência.
Nos dois casos, digo que a humanidade se aperfeiçoa ou se destrói a si própria, porque tudo depende aqui, exclusivamente, da consciência e da liberdade, de modo que o movimento, tendo na Justiça a sua base de operação e na liberdade a sua força motriz, já não pode conservar nada de fatal (p. 512).
Não é o ideal que produz as ideias, antes as depura; não é ele que cria a riqueza, que ensina o trabalho, que distribui os serviços, que pondera as forças e os poderes, que nos pode dirigir na investigação da verdade e mostrar-nos as leis da Justiça (p. 546).
A doutrina do progresso resume-se, assim, em duas proposições, de que é fácil constatar historicamente a verdade:
Toda a sociedade progride pelo trabalho, pela ciência e pelo direito, idealizados (p. 547).
Toda a sociedade retrocede pela preponderância do ideal (ibid.).
Desde há cinquenta anos que a literatura francesa, aspirando a viver exclusivamente pelo ideal e para o ideal, abandonou a Revolução e a Justiça; por esta apostasia, traiu a sua própria causa. Ela anunciava-se como a razão do século, e nem sequer tem ao seu serviço um paradoxo. Fixou-se no idealismo, e já não tem ideal (p. 642).
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