A apropriação das forças colectivas e o antagonismo sociedade-poder
P. -Qual foi, para os povos e para os Estados, a consequência do atraso no conhecimento do ser colectivo ?
R. -A apropriação de todas as forças colectivas, e a corrupção do poder social; em termos menos severos: uma economia arbitrária, e uma constituição artificial da força pública...
Pelo agrupamento das forças individuais e pelas ligações entre os grupos, a nação inteira transforma-se num corpo. É um ser real... cujo movimento conduz toda a existência. O indivíduo está imerso na sociedade... de que ele não se separaria senão para cair no nada...
Segundo a ordem natural, o poder nascido da sociedade é a resultante de todas as forças singulares, agrupadas pelo trabalho, pela defesa e pela justiça. De acordo com a concepção empírica, sugerida pela alienação do poder, é, pelo contrário, a sociedade que nasce daquele; ele é o gerador, o criador, o autor dela; ele é superior a ela: de modo que o príncipe, de simples agente da república, é o soberano dela...
P. -Depois de tudo isto, qual pode ser a organização social e política?
R. -É fácil imaginá-la: uma vez apropriadas as forças colectivas... a sociedade constitui-se em hierarquia... O que, sob a aparência duma autocracia fatal é a própria instabilidade... a alienação de toda a força colectiva.
Estabelece-se assim o antagonismo entre o poder e a sociedade.
P. - Deste modo, a não ser por uma revolução, qualquer estabilidade política... é impossível... ?
R. -Não é só a história que nos revela isso, nem a justiça... ; é a ciência económica, no que ela tem de mais elementar, de mais positivo, de mais real; uma vez apropriadas as forças colectivas, reprimida e alienada a força social, o governo oscila da demagogia ao despotismo e do despotismo à demagogia.
C. Emergência dialéctica das leis dum Estado democrático
P. -Não haverá mais nada a recolher, para o filósofo, neste estudo da formação, crescimento e decadência dos antigos Estados?
R. -Eles constituíram pelo seu próprio inorganicismo, a revelação dum novo Estado e como que uma embriogenia da revolução:
- desenvolvimento das forças económicas, entre as quais o primeiro lugar é ocupado pelas forças colectivas;
- descoberta da força social, na junção de todas as suas forças;
- razão das formas governamentais...
- ideia da solidariedade ou da força humanitária, emergente, ora da luta, ora do acordo entre os Estados;
- ideia dum equilíbrio entre forças económicas e sociais experimentadas, sob o nome dos equilíbrios de poderes;
- elaboração do direito, expressão superior do homem e da sociedade;
- maior compreensão da história, estudo a recomeçar sob o ponto de vista da fisiologia do ser colectivo.
Eis o que, acima das revoluções e dos cataclismos, o pensamento filosófico descobre. Isto para o constituição da ordem que um dia virá...
P. -Como é que em vez do Estado livre... adequado à própria sociedade, conservamos o Estado feudal, real, imperial, militarista, ditatorial?
R. -Isso deve-se a duas causas, fáceis de avaliar a partir daqui: uma, é que o equilibro entre produtos e serviços não deixou de ser um desideratum da economia; a outra, é que a apropriação das forças colectivas manteve-se, desenvolveu-se, como se fosse de direito natural...
O sistema das garantias políticas não é senão uma roda dentada, no vasto conjunto das sociedades. Não estando definido o direito económico:, sendo deixada ao livre arbítrio a organização agrícolo-industrial, o Estado permanece ínstável.
P. -Supondo a revolução feita, a paz assegurada exteriormente, através da federação dos povos, a estabilidade garantida internamente, pelo equilíbrio entre os valores e os serviços, pela organização do trabalho e pela reintegração do povo na propriedade das suas forças colectivas,... a república organizada segundo os princípios da economia e do direito, acredita que o Estado ficasse ao abrigo de qualquer... catástrofe?
R. -Certamente... O edifício político... teria conquistado o que lhe faltava anteriormente: a estabilidade. (Justice, l'État.)
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