quarta-feira, dezembro 02, 2009

O NEGRO E O VERMELHO

Seu ponto de partida:
o desempenho de relações seriais e a relativização do espírito e da matéria

O princípio das ilusões filosóficas é aquela espécie de transporte, algumas vezes passageiro, muitas vezes durável e persistente, que se segue à percepção súbita duma importante verdade, ou de relações imprevistas. Esta doença mental, própria dos espíritos contemplativos, nunca foi assinalada pelos psicólogos, talvez porque estando a maior parte deles atingidos por ela, não a podiam reconhecer... Tão depressa é uma crença supersticiosa que os importuna, e que, agindo sobre todas as suas ideias, parece alterar a sua razão,... como apreendendo de soslaio uma verdade geral, e aprofundando-a com um ardor incrível, os vemos esforçarem-se a realizar hipóteses fantásticas, e entregarem-se a especulações extravagantes.
Em todos, remontando à origem da sua doença, se descobre constantemente, como causa determinante... uma ideia.
A ideiomania... resume, por si só, todas as superstições científicas, políticas e religiosas ... (Créat. de l’O., cap. II.)
Segundo Platão, as ideias vêem de Deus, em quem existem substancialmente; elas estão preformadas nas almas antes da sua saída do Eliseu e da sua união aos corpos: as sensações não fazem senão evocar no espírito a reminiscência. Assim, nós não adquirimos as nossas ideias, segundo Platão, lembramo-nos delas. A ideia pura (o ideal) de cada objecto existe em Deus... As ideias, numa palavra, são os exemplares eternos das coisas...
Aristóteles, ou dizendo melhor, a escola que o tomou para chefe, fazia depender todas as ideias da sensação; daí o célebre aforismo: nada existe na razão sem ter estado antes nos sentidos.
Objectou-se, contra este sistema, que a sensação era, quando muito, a ocasião, meio ou veículo da ideia, mas não a causa... Eu resumo tanto quanto osso a história destas querelas...
Os filósofos mais eminentes desvanecem-se, com incrível ardor, na procura da solução deste problema, o acordo da percepção com a realidade, do subjectivo com o objectivo, do nómeno com o fenômeno, uns absorvendo o objecto no sujeito e idealizando o mundo, que, assim, era o sonho elo espírito; outros exteriorizando, materializando, panteizando o eu, ou melhor, identificando o eu e o não-eu, o subjectivo e o objectivo, numa unidade superior... fazendo do mundo, do homem, do pensamento... uma espécie de evolução deste absoluto... Tais foram, em resumo, as hipóteses de Fichte, Schelling, Hegel e duma multidão de outros...
...Proponho-me provar aqui que conceitos e universais, não são outra coisa senão intuições empíricas...
Para mim, todas as nossas ideias, quer de intuições, quer de concepções, provêm da mesma origem: a acção simultânea, conjunta, adequada, e no fundo idêntica, dos sentidos e da razão. (Créat. de l’O., cap. III.)
O que o espírito vê nas coisas são as suas diferenças, espécies, séries e grupos; numa palavra, a sua razão. (Justice Philos. Popul.) A série é um conjunto de unidades reunidas por uma ligação comum, a que chamamos razão ou relação. (Créat. de l’O., cap. III.)
O que o espírito não saberia descobrir é a natureza na essência das coisas, porque esta natureza, despida das suas diferenças, da sua unidade de composição, etc., torna-se então, como o próprio espírito, qualquer coisa de amorfo, inacessível, invisível...
Comparando as faculdades de uns com as pro. priedades dos outros, ele concebe a vida., a inteligência, a alma; e em oposição, a matéria, a morte, o nada: abstracções, ficções, ele não sabe nada disso. (Justice, Philos. Popul.)
Esse eu, aquele a que chamo a minha alma, já não o considero como uma mónada, governando, com a sublimidade da sua natureza intitulada espiritual, outras mónadas consideradas materiais: estas distinções da escola são, para mim, desprovidas de sentido.
Não me ocupo do caput mortuum dos seres... a que os doutores chamam... substância... A substância pura... é equivalente a nada, é o ponto matemático. Em cada ser, só considero a sua composição, a sua unidade, as suas propriedades, as suas faculdades que o conduzem a uma razão única, variável, susceptível de elevação ao infinito, o grupo... como o nomeei, uma série.
A ciência moderna confirma esta definição do ser. Quanto mais a física e a química avançam, mais elas se desmaterializam, e tendem a constituir-se sobre noções puramente matemáticas. (Philos. du Progr., 1.ª carta.)

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