O idealismo, factor de decadência
Mostrámos como o homem é levado à justiça...
É por um movimento inverso... que o homem abandona a lei... Então, acontece que a sociedade tende para a decadência, e só se pode recompor por uma revolução...
Se o livre arbítrio ultrapassa a natureza, ele não a cria, supõe-na; só produz o seu ideal, sobre o fundamento duma realidade certa... O ideal, ainda que ultrapasse a razão das coisas, não existe nesta razão; ainda mais, ele é-lhe proporcional.
Mas falta muito para que o nosso conhecimento da justiça caminhe tão depressa como o requeriria a necessidade da nossa imaginação e, consequentemente, a segurança da nossa consciência; falta muito, digo, para que a política, a economia política... a pedagogia, a filosofia, a moral, se nos revelem com esta rapidez e este rigor de intuição, consequentemente que provoquem esta força de ideal, das quais dependem a salvação dos costumes e a ordem das sociedades. Causas numerosas, complexas, atrasam em nós a razão prática e rebaixam o ideal.
Antes de tudo, ao homem... repugna a mudança...
O princípio de todas as retrogradações sociais está na separação, mais ou menos fortuita, do que o homem possui em si de mais elevado, o justo e o ideal...
Onde a justiça permanecer preponderante, o progresso será contínuo... Muitas vezes, pelo contrário... a justiça é, por assim dizer, suplantada no coração humano pelo ideal... Avaliação da qualidade das coisas... o erro é tomá-lo, a ele próprio, para razão, princípio e substância das coisas...
Produto da liberdade, o ideal, pela sua natureza, ultrapassa toda a lógica e todo o empirismo: haverá uma razão para subordinar a ele a lógica e a experiência? Longe disso, o ideal não se mantém a si próprio, não caminha e não cresce senão pelo conhecimento cada vez mais perfeito da razão das coisas.
O ideal, transformando em nós o instinto obscuro de sociabilidade, eleva-nos à excelência da justiça: haverá razão para tomarmos as nossas idealidades políticas e sociais para fórmulas de juizo? Pelo contrário, esta justiça ideal é, ela própria, o produto da determinação, cada vez mais exacta, das relações sociais, observadas na objectividade económica. Não é o ideal quem produz as ideias, ele depura-as; não é ele que cria a riqueza, que ensina o trabalho, que distribui os serviços, que pondera as forças e os poderes, que nos pode dirigir na descoberta da verdade e mostrar-nos as leis da justiça; ele é radicalmente incapaz disso, em tal ponto, só serve de embaraço, só cria o erro. Mas, uma vez organizado o trabalho, criada a riqueza, constituído o Estado, feita a ciência, definido o direito, o ideal aparece no seio de todas estas criações, como sua eflorescêneia.
Ora, naquilo em que o ideal é impotente, pela sua natureza, a dar - quero dizer, a solução dos problemas sociais, as regras da razão prática e as leis da natureza - o homem, pelo efeito da tentação que assinalámos, obstina-se em pedir-lho; e é este recurso ao ideal, é esta idolatria que, mesmo sustentando durante algum tempo a sociedade (mas convertendo-se, no final, em puro egoísmo) constitui, quanto a mim, a verdadeira causa das retrogradações sociais...
A doutrina do progresos resume-se, deste modo, a duas proposições, das quais é fácil constatar historicamente a verdade:
Toda a sociedade progride pelo trabalho, pela ciência e pelo direito, idealizados;
Toda a sociedade retrocede pela preponderância do ideal... o idealismo.
Eis toda a teoria do progresso: uma teoria da origem do mal moral, ou da causa que detém e faz retroceder o homem na justiça-e, por conseguinte, em todas as suas faculdades-causa que se explica pela cisão entre as duas forças superiores da alma: o direito e o ideal.
Falando com propriedade, não há teoria do progresso, porque o progresso é dado pelo facto de o homem possuir a justiça, ser inteligente e livre, e a sua habilidade, como a sua ciência, ser ilimitada. Só há uma teoria... da retrogradação ... (Justice, Prog. et Décadence.)
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