domingo, janeiro 03, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

A ironia libertadora

O que falta à nossa geração não é, nem um Merabeau, nem um Robespierre, nem um Bonaparte: é um Voltaire. Não sabemos apreciar nada com um olhar da razão, independente e trocista. Escravos das nossas opiniões como dos nossos interesses, à força de nos tomarmos a sério, tornamo-nos estúpidos. A ciência, cujo fruto mais precioso é acrescentar incessantemente a liberdade de pensamento, transforma-se, em nós, em pedantismo; em vez de emancipar a inteligência, embrutece-a. Totalmente obstinados pelos nossos amores e pelos nossos ódios, não rimos dos outros mais do que de nós: perdendo o nosso espírito, perdemos a nossa liberdade... (Confes. dun Révol., cap. XXI.)

B. O casal

a) O casal, órgão da justiça

O homem e a mulher formam, na moral como no físico, um todo orgânico, eujas partes são complementares uma da outra; é uma pessoa composta por duas pessoas... E este organismo tem por objectivo criar a justiça estimulando a consciência, e tornar possível o aperfeiçoamento da humanidade r si mesma, isto é, a civilização...
P. - O que é o casal conjugal?
R. - Toda a força da natureza, toda a faculdade da vida, toda a afeição da alma, toda a categoria de inteligência tem necessidade, para se manifestar e agir, dum órgão. O sentimento da justiça não podia constituir excepção a esta lei. Mas a justiça, que rege todas as outras faculdades e ultrapassa a própria liberdade, não podendo ter o seu órgão no indivíduo, tornar-se-ia para o homem uma noção sem eficácia, e a sociedade seria impossível, se a natureza não tivesse recorrido ao organismo jurídico, fazendo de cada indivíduo como que a metade dum ser superior, cuja dualidade andrógina se torna, para a justiça, um órgão. (Justice, Amour et Mariage.)
Ser composto por duas pessoas... este casal é o verdadeiro sujeito humano. (Pornocratie, cap. III)
P. - Por que é que o indivíduo é incapaz de servir de órgão à justiça?
R. - Porque ele só possui como fundamento seu o sentimento da sua própria dignidade, o qual é adequado ao livre arbítrio, enquanto que a justiça é necessariamente dual, supondo, por conseguinte, pelo menos duas consciências em uníssono: de modo que a dignidade do sujeito aparece unicamente como primeiro terino da justiça e só se torna respeitável para ele enquanto interessar a dignidade dos outros. É pelo casamento que o homem aprende, pela própria natureza, a sentir-se duplo: a sua educação social e a sua elevação na justiça não serão mais do que o desenvolvimento deste dualismo...
O órgão de justiça é o casal, considerado como dualidade pessoal, formando pelo contraste entre os atribuitos um ser complexo, o embrião social.
A família, extensão do casal conjugal, não faz senão desenvolver o órgão de jurisdição; a cidade, formada pelo cruzamento das famílias, reprodu-lo, por sua vez, com uma força superior; o destino social é solidário com o destino matrimonial, e cada um de nós, por esta comunhão universal, vive do mesmo modo que a espécie humana.
... O casal conjugal, a família, a cidade, formam assim três graus de jurisdição.
P. - Por que razão, no oraganismo jurídico, as duas pessoas são dissemelhantes?
R. - Porque, se fossem semelhantes, não se completariam uma à outra; seriam dois todos independentes, sem acção recíproca, incapazes, por esta razão, de produzirem Justiça. (Justice, Amour et Mariage.)
A justiça tem como condição orgânica um duamo. Este dualismo consiste no casamento, formado a união de duas pessoas complementares uma da outra, e cuja essência é a dedicação, esse preparador do amor... Deste modo se conclui esta aparente contradição que diz ao homem: mandar para melhor servir; à mulher: obedecer para melhor reinar, contradição que exprime, com vigor, a engrenagem trimonial... a lei e o mistério...
Face a uma prepotência masculina, constato proeminência feminina. (Pornocratie, cap. III.)
P. - O que é o amor?
R. - O amor é o atractivo que experimentam, invencivelmente, uma pela outra, a Força e a Beleza. (Justice, Amour et Mariage.) (Não se esqueça que falo, da beleza como da força, sob todos os pontos de vista fisico, intelectual e moral.) (Pornocratie, cap. I.)
A sua natureza, no homem e na mulher, não é, por conseguinte, a mesma. Todavia, é através do amor que a sua consciência se abre em ambos à justie,a, tornando-se cada um para o outro, ao mesmo tempo, uma testemunha, um juiz e um segundo ele próprio...
Que cada homem ame todas as mulheres na sua esposa, e que cada mulher ame todos os homens no seu marido. É assim que ambos conhecerão o verdadeiro amor, e que a fidelidade lhes será agradável. Porque, o amor, na essência universal, tende a realizar-se na universalidade; se o homem e a mulher que casam parecem sair da indivisão, isto apenas acontece quanto à coabitação e aos deveres que ela impoe; para o resto, isto é, para o ideal, eles permanecem na comunidade. O casamento que os une ;.não é uma apropriação mútua dos seus corpos e das suas almas... é a representação do amor infinito, que vive no fundo dos seus corações. É por isso que o homem que falha com a sua mulher falha com todas as mulheres, e a mulher que falha com o seu marido é com justa razão menosprezada por todos os homens. (Justice, Amour et Mariage.)

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