A razão colectiva
Trata-se de dar a este ser colectivo, de que demonstrámos a força e a realidade, uma inteligência; é isso que conseguiremos, por uma última eliminação do absoluto, cujo efeito será criar a Razão pública, guardiã de toda a verdade e de toda a justiça, centro e apoio de qualquer razão particular, e sem a qual a Fé pública, é impossível...
Na qualidade de absoluto livre, o homem tende a subordinar tudo o que o rodeia, coisas e pessoas, os seres e as suas leis, a verdade teórica e a verdade empírica, o pensamento como à inércia, a consciência e o amor como a estupidez e o egoísmo.
Dai o carácter da razão individual, na qual o absoluto - conforme a própria lei da individualidade - tende a ocupar um lugar cada vez maior, diferentemente da razão colectiva, na qual o absoluto tende a ocupar um lugar cada vez menor. É efectivamente na razão colectiva que as relações, sustentadas umas pelas outras... são, ao mesmo tempo, a lei e a realidade social ...
Diante do homem, seu semelhante, absoluto como ele, o absolutismo do homem pára de repente; ou melhor, estes dois absolutos destroem-se mutuamente, só deixando subsistir, das suas respectivas razões, a relação entre as coisas, a respeito das quais eles lutam...
Creio ser inútil insistir nesta distinção fundamental entre a razão individual e a razão colectiva, a primeira essencialmente absolutista, a segunda antipática a todo o absolutismo...
A teoria da razão colectiva asseiita neste facto, de observação noológica, que nenhuma explicação seria capaz de destruir:
Quando dois ou vários homens são chamados a pronunciarem-se contraditoriamente sobre uma questão, seja de ordem natural, seja, e por maioria de razão, de ordem humana, resulta da eliminação que são conduzidos a fazer, reciprocamente e respectivamente, da sua subjeetividade - ou seja, do absoluto que o eu afirma e representa -uma maneira de ver comum, que já não se parece, de modo nenhum, nem no fundamento nem na forma, com o que teria sido, sem esse debate, a sua maneira de pensar individual...
Esta maneira de ver, na qual só entram relações puras, sem mistura do elemento metafísico e absolutista, constitui a razão colectiva, ou razão pública.
Concordemos então que a razão colectiva não é uma palavra vã: ela é, indubitavelmente, antes de tudo, uma relação. Ora, como a relação ou a razão das coisas é em tudo o facto capital, a mais elevada realidade, eu digo que a razão colectiva resulta do antagonismo entre as razões particulares, tal como a força pública resulta do concurso das forças individuais, é uma realidade do mesmo modo que esta forca; e uma vez que elas se reúnem na mesma colectividade, concluo daí que forinam os dois atributos essenciais do mesmo ser, a razão e a forca... O órgão da razão colectiva é o mesmo que o da força colectiva: é o grupo trabalhador, instrutor; é a companhia, industrial, sábia, artista; são as academias, escolas, municipalidades; é a assembléia nacional, o clube, o júri; é toda a reunião de homens; é, numa palavra, formada para a discussão das ideias e para a procura do direito... (Justice, Les Idées.)
Sem comentários:
Enviar um comentário