portanto, sendo um facto contingente a tomada de posse que o constitui, não pode comunicar a esse direito a invariabilidade que não tem. É o que o professor de Edimburgo parece ter compreendido, acrescentando:
«O direito de viver implica o direito de se procurarem os meios necessários, portanto, a mesma regra de justiça, lutando para que a vida do inocente seja respeitada, também não quer que se lhe tirem os meios de a conservar: ambas as coisas são igualmente sagradas... Prejudicar o trabalho de outrem é cometer uma injustiça da mesma natureza: amarrá-io com ferros ou deitá-lo para uma prisão, o resultado é da mesma espécie e provoca o mesmo ressentimento.»
Assim, o chefe da escola escocesa, sem nenhuma consideração pelas desigualdades de talento ou de indústria, parte a priori da igualdade dos meios de trabalho, deixando em seguida a cada trabalhador a tarefa de cuidar do seu bem-estar individual, segundo o eterno axioma: Quem bem fizer, bem encontrará.
O que faltou ao filósofo Reid não foi o conhecimento do princípio, foi a coragem de seguir as consequências. Se é igual o direito de viver e o direito de trabalhar, também é igual o direito de ocupar. Os insulares poderiam, sem crime, sob o pretexto de propriedade, expulsar náufragos infelizes que tentassem alcançar a costa? Só a ideia de uma tal selvajaria revolta a imaginação. O proprietário, qual Robinson na sua ilha, afasta a tiros o proletário que a vaga da civilização submerge e que tenta agarrar-se aos rochedos da propriedade. - Dá-me trabalho, grita com toda a força ao proprietário; não me expulses, trabalharei pelo preço que quiseres. - Não quero os teus serviços, responde o proprietário, mostrando o cano da espingarda. - Baixa, ao menos, a minha renda. - Preciso dos meus lucros para viver. - Como poderei pagar-te se não trabalho? - Isso é contigo. Então o infortunado proletário deixa-se arrastar pela corrente ou, se tenta entrar na propriedade, o proprietário visa-o e mata-o.
Acabámos de ouvir um espiritualista, interrogaremos agora um materialista, depois um ecléctico; e, percorrido o ciclo da filosofia, dirigir-nos-emos à jurisprudência.
Segundo Destutt de Tracy a propriedade é uma necessidade da nossa natureza.
Que essa necessidade origina incómodos resultados seria preciso ser cego para o negar; mas essas consequências são um mal inevitável que nada prova contra o princípio: de maneira que é tão pouco razoável revoltar-se contra a propriedade por causa dos abusos que daí correm a lamentar a vida por o resultado mais certo ser a morte. Esta filosofia bruta e impiedosa promete, pelo menos, uma lógica franca e rigorosa: vejamos se essa promessa é cumprida.
«Instruiu-se solenemente o processo da propriedade... como se dependesse de nós fazer com que houvesse ou não propriedades no mundo... e parece, ouvindo certos filósofos e legisladores, que num instante preciso se imaginou, espontaneamente e sem causa, dizer teu e meu e que se teria podido e mesmo devido não o ter feito. Mas o teu e o meu nunca foram inventados.»
Filósofo tu próprio, és demasiado realista. Teu e meu não assinalam necessariamente a identificação. como quando eu digo a tua filosofia e a minha igualdade: porque na tua filosofia estás filosofando: e na minha igualdade estou eu professando a igualdade. Teu e meu indicam, na maior parte das vezes, a relação: o teu país, a tua paróquia, o teu fato, a tua liteira; o meu quarto de hotel, o meu lugar no espectáculo; a minha companhia e o meu batalhão na guarda nacional. No primeiro sentido pode-se dizer o meu trabalho, o meu talento, a minha virtude, algumas vezes, nunca a minha grandeza nem a minha majestade: e no segundo sentido somente o meu campo, a minha casa, a minha vinha, os meus capitais, da mesma maneira como o caixa de um banco diz: a minha caixa. Numa palavra, teu e meu são sinais e expressões de direitos pessoais mas iguais; aplicados às coisas externas indicam posse, função, uso, nunca propriedade.
Jamais se acreditaria, se não o provasse pelos textos mais formais, que toda a teoria do nosso autor se baseia neste equívoco lamentável.
«Anteriormente a qualquer convenção os homens estavam, não precisamente como o diz Hobbes, num estado de hostilidade, mas de estranheza. Nesse estado não havia propriamente justo e injusto; os direitos de um nada tinham a ver com os direitos de outro. Cada um tinha tantos direitos como necessidade e o dever geral de satisfazer esses direitos, sem qualquer outra consideração.»
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