Seguia-se necessáriamente que, para obter igualdade de subsistência, era preciso fornecer igualdade de trabalho; e que, para que o trabalho fosse igual, eram precisos meios iguais de trabalhar. Quem se apoderasse sem trabalhar, pela força ou astúcia, do alimento de outrem, rompia a igualdade e colocava-se para além e fora da lei. Quem monopolizasse os meios da produção, sob pretexto de maior actividade, destruia ainda a igualdade. Sendo então a igualdade a expressão do direito, alguém que atentasse contra a igualdade era injusto.
Assim, com o trabalho nascia a posse privada, o direito na coisa, jus in re, mas em que coisa? Evidentemente no produto, não no solo: foi assim que sempre o compreenderam os Árabes e que, segundo César e Tácito, o compreendiam outrora os Germanos. Os Árabes, diz Sismondi, que reconheciam a propriedade do homem sobre os rebanhos que criavam, não disputavam a colheita ao que semeara um campo: mas não viam que um outro, seu igual, não teria o direito de semear por sua vez. A desigualdade resultante do pretenso direito do primeiro ocupante não lhes parecia fundamentada em nenhum princípio de justiça; e logo que o espaço se encontra completamente dividido por certo número de habitantes resumia um monopólio destes contra todo o resto da nação, à qual não querem submeter-se...»
Aliás, partilhou-se a Terra: admito que daí resulte uma organização mais forte entre os trabalhadores e que esse meio de partilhas, fixo e durável, ofereça mais comodidade; mas como teria essa divisão fundamentado para cada um o direito transmutável de propriedade sobre uma coisa à qual todos tinham um direito inalienável de posse? Nos termos da jurisprudência esta metamorfose do possuidor em proprietário é legalmente impossível: implica, na jurisdição primitiva, a acumulação do possessório e do petitório; e, na concessão que se supõe ter sido recíproca entre os comparticipantes, a transacção sobre um direito natural. Os primeiros agricultores, que foram também os primeiros autores de leis, não sabiam tanto como os nossos legistas, concordo; e se soubessem não teriam podido fazer pior: também não previram as consequências da transformação do direito de posse privada em propriedade absoluta. Mas porque estabeleceram mais tarde a distinção do jus in re e do jus ad rem sem aplicar o próprio princípio da propriedade?
Lembro aos jurisconsultos as suas máximas.
O direito de propriedade, se é que tem uma causa, só pode ter uma: Dominium non potest nisi ex una causa contigere. Posso possuir vários títulos; não posso ser proprietário serão de um: Non ut ex pluribus causis idem nobis deberi potest, ita ex pluribus causis idem potest nostrum esse. O campo que arranjei, que cultivei, onde construí a minha casa, que me alimenta a família e o rebanho, posso possuí-lo: 1.º - A título de primeiro ocupante; 2.º - A título de trabalhador; 3.º - Em virtude do contrato social que mo destina por partilha. Mas nenhum desses títulos me dá o domínio de propriedade. Porque, se invoco o direito de ocupação, a sociedade pode responder-me: Ocupo-o antes de ti; se faço valer o meu trabalho dirá: É só com essa condição que tu possuis; se falo de convenções replicará: As convenções estabelecem precisamente a qualidade de usufrutuário. Todavia, são esses os únicos títulos a que os proprieários recorrem; nunca foram capazes de descobrir outros. Na realidade todo o direito, é Pothier que no-lo ensina, supõe uma causa que o produz na pessoa que o goza; mas, no homem que nasce é morre, nesse filho da Terra que passa como uma sombra, apenas existem títulos de posse não um título de propriedade referente a coisas exteriores. Então como é que a sociedade reconheceria um direito contra si, onde não há causa que o produza? Concedendo a posse, como pôde permitir a propriedade? Como é que a lei sancionou esse abuso de poder?
O alemão Ancillon responde:
«Alguns filósofos pretendem que o homem, aplicando as suas forças a um objecto da natureza, a um campo, a uma árvore, adquire direitos unicamente sobre as modificações que realiza, sobre a forma que dá ao objecto e não sobre o próprio objecto. Distinção vã! Se a forma pudesse ser separada do objecto levantar-se-iam problemas; mas como isso é quase sempre impassível, a aplicação das forças do homem às diferentes partes do mundo visível é o primeiro fundamento do direito de propriedade, a primeira origem dos bens.»
Pretexto vão! Se a forma não pode ser separada do objecto e a propriedade da posse, é preciso partilhar a posse: em todo o caso a sociedade conserva o direito de impor condições de propriedade.
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