Supondo que um domínio apropriado produz 10.000 francos de receita bruta e que esse domínio não pode ser dividido, o que seria um caso verdadeiramente extraordinário; por outro lado, supondo que a média anual de consumo por cada família é de 3.000 francos, segundo cálculos económicos, o possuidor desse domínio deve ser obrigado a fazê-lo valer como bom chefe de família, pagando à sociedade uma retribuição igual a 10.000 francos, dedução feita de todas as despesas de exploração e dos 3.000 francos necessários ao sustento da família. Essa retribuição não é uma renda, é uma indemnização.
Qual a justiça que decide coisas como esta:
«Visto que, pelo trabalho, a coisa mudou de forma. como a forma e a matéria não podem ser separadas sem o objecto ser destruido, é necessário ou que a sociedade seja deserdada ou que o trabalhador perca o fruto do seu trabalho.
«Visto que, em qualquer outro caso, a propriedade da matéria implicaria a propriedade do que se lhe junta por acessão, salvo indemnização; mas que, na espécie, é a propriedade do acessório que deve implicar a do principal.
«0 direito de apropriação pelo trabalho não será admitido contra particulares; terá lugar apenas contra a sociedade.»
É esta a maneira constante como os jurisconsultos raciocinam, no que respeita à,propriedade. A lei é estabelecida para fixar os direitos dos homens entre si, quer dizer, de cada um perante cada um e de cada um frente a todos; e, como se uma proporção pudesse subsistir com menos de quatro termos, os jurisconsultos nunca fazem caso do último. Enquanto o homem se opõe ao homem, a propriedade faz contrapeso à propriedade e as duas forças equilibram-se; logo que o homem está isolado, quer dizer, oposto à sociedade que ele próprio represente, a jurisprudéncia erra, Thémis perdeu um prato da sua balança.
Oiçam o professor de Rennes, o sábio Toullier :
«Como pode esta preferência, adquirida pela ocupacão, tornar-se uma propriedade estável o permanente, que continuasse a subsistir e pudesse ser reclamada depois que o primeiro ocupante cessasse de possuir?
«A agricultura foi uma consequência natural de muItiplicação do género humano e a agricultura favoreceu, por sua vez, a população e tornou necessário o estabelecimento de uma propriedade permanente; quem estava disposto a lavrar e semear se não tivesse a certeza de colher?»
Bastava, para tranquilizar o trabalhador, assegurar-lhe a posse da colheita: concordemos até que conservasse a sua ocupação territorial desde que ele próprio cultivasse; era tudo o que tinha direito de esperar, era tudo o que exigia o progresso da civilização. Mas a propriedade! a propriedade! o direito de sucessão sobre um solo que não se ocupa nem cultiva; quem tinha autoridade para o outorgar? quem podia reclamá-lo?
«A agricultura não foi o suficiente para estabelecer a propriedade permanente; foram precisas leis positivas, magistrados para as fazer executar; foi preciso, numa palavra, o estado civil.
«A multiplicação do género humano tornou necassária a agricultura; a necessidade de assegurar ao cultivador os frutos do seu trabalho fez sentir a necessidade de uma propriedade permanente e leis que a protegessem. Assim, é à propriedade que devemos o estabelecimento do estado civil.»
Sim, do nosso estado civil, tal como o conceberam: primeiro foi despotismo, depois monarquia, depois aristocracia, hoje democracia e sempre tirania.
«Sem o laço da propriedade nunca teria sido possivel submeter os homens ao jugo salutar da lei; e, sem a propriedade permanente, a terra teria continuado a ser uma enorme floresta. Digamos, pois, com os autores mais concretos, que se a propriedade passageira ou o direito de preferência que dá a ocupação é anterior ao estabelecimento da sociedade civil, a propriedade permanente, tal como a conhecemos hoje, é obra do direito civil. - Foi o direito civil que estabeleceu a máxima que, uma vez adquirida, a propriedade não se perde sem na realidade o proprietário o consentir e que se conserva mesmo depois do proprietário perder a posse ou detenção da coisa, quando esta se encontra nas mãos de um terceiro.
«Assim a propriedade e a posse, que estavam confundidas no estado primitivo, tornaram-se, pelo direito civil, duas coisas distintas e independentes; duas coisas que, seguindo a linguagem das leis, já nada têm de comum. Por aí se vê que modificação prodigiosa se operou na propriedade e quanto as leis civis lhe modificaram a natureza.»
Sem comentários:
Enviar um comentário