Nem sequer previram, esses antigos fundadores do domínio de propriedade, que o direito perpétuo e absoluto de conservar o seu património, direito que lhes parecia equitativo porque era comum, implicava o direito de alienar, vender, dar, adquirir e perder; que não tendia, por consequência, a nada menos que à destruição dessa quaidade, em vista da qual o estabeleceram: e se o tivessem podido prever não se teriam dado conta; o desejo presente possuía-os e, como geralmente acontece em casos do género, os inconvenientes foram demasiado fracos a principio e passaram despercebidos.
Não previram, esses cândidos legisladores, que se a propriedade se conservava pela única intenção, nudo animo, implicava o direito de alugar, emprestar, beneficiar de troca, constituir rendas, lançar uma contribuição sobre um campo que a intenção se reeserva, enquanto o corpo estava ocupado noutro lado.
Não previram, os patriarcas da nossa jurisprudência, que se o direito de sucessão é outra coisa que uma maneira dada pela natureza de conservar a igualdade das partilhas, dentro em pouco as famílias seriam vítimas das exclujsão mais desastrosas e a sociedade, atingida num dos seus mais sagrados princípios, destruir-se-ia pela opulência e pela miséria (1).
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(1) É principalmente aqui que se revela em toda a sua rudeza a simplicidade dos nossos antepassados. Depois de terem chamado à sucessão os primos colrmãos em desfavor de filhos legítimos, não puderam prosseguir até se servirem desses mesmos primos para equilibrar as partilhas em dois ramos diferentes, de maneira, a que se não vissem, na mesma família, os extremos da riqueza e de miséria. Exemplo: Jacques ao morrer deixa dois filhos, Pierre e Jean, herdeiros de sua fortuna: a partilha dos bens de Jacques faz-se entre eles em partes iguais. Mas Pierre só tem uma filha, enquanto que seu irmão Jean deixa seis rapazes: é clara que para ser fiel, ao mesmo tempo, ao princípio de igualdade e ao de sucessão é preciso que os filhos de Pierre e Jean dividam os dois patrimónios em sete partes: porque de outra maneira um estranho pode casar com a filha de Pierre e, por esta união, metade dos bens de Jacques será para uma família estranha, o que é contra o princípio de sucessão; além disso os filhos de Jean serão pobres por causa de serem muitos, enquanto que a prima será rica, por ser filha única: isto é contra a igualdade. Que se generalize esta aplicação combinada dos dois princípios parecendo contraditórios e convencer-se-ão que o direito de sucessão, contra o qual se opõem hoje em dia com tanta negligencia, não faz o menor obstáculo à conservação da igualdade.
Não previram... Mas que necessidade há em que eu insista? As condutas são bastante visíveis e não é o momento de fazer uma crítica de todo o código.
A história da propiedade, nas antigas nações não é, pois, para nós, mais que um empreendimento de erudição e curiosidade. É uma regra de jurisprudência que o facto não produz o direito: ora a propriedade não pode subtrair-se a essa regra portanto o reconhecimento universal do direito de propriedade não legitima esse direito. O homem enganou-se quanto à constituição das sociedades, natureza do direito, aplicação do justo, assim como se enganou sobre a causa dos meteoros e sobre o movimento dos corpos celestes; as suas velhas opiniões não podem ser tomadas por artigos de fé. Que nos importa que a raça indiana esteja dividida em quatro castas; que nas margens do Nilo e do Ganges a distribuição da terra tenha sido feita, outrora, em razão da nobreza do sangue e das funções; que Gregos e Romanos tenham colocado a propriedade sob a guarda dos deuses; que as operações de fronteiras e cadastro tenham sido, entre eles, acompanhadas de cerimônias religiosas? A variedade das formas do privilégio não anula a injustiça; o culto de Júpiter proprietário (1) nada prova contra a igualdade dos cidadãos, da mesma maneira que os mistérios de Vénus, a impudica, nada provam contra a castidade conjugal.
Afirmando o direito de propriedade, a autoridade do género humano é nula, porque esse direito, saindo necessariamente da igualdade, está em contradição com o seu princípio; o sufrágio das religiões que o consagraram é nulo, porque em todos os tempos o padre se pôs ao serviço do príncipe e os deuses sempre falaram como os políticos desejavam;
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Qualquer que seja a forma de governo em que vivamos será verdadeiro dizer sempro que o morto sustém o vivo, quer dizer, que haverá sempre herança e sucessão qualquer que seja o herdeiro reconhecido. Mas os são-simonianos quereriam que esse herdeiro fosse designado pelo magistrado; outros que fosse escolhido pelo defunto ou presumido pela lei: o essencial é que seja satisfeito o desejo da natureza, excepto a lei de igualdade. Hoje o verdadeiro moderador das sucessões é o acaso ou o capricho: ora em matéria de legislação, o acaso o o capricho não podem ser aceites como regra. É para conjugar as perturbações infinitas que o acaso motiva que a natureza, depois de nos ter feito semelhantes, nos sugere o princípio de herança, que é como a voz na qual a sociedade pede o sufrágio sobre um dos nossos irmãos que julgamos mais capaz, depois de nós, de cumprir a nossa missão.
(1) Zeus Klésios.
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