CAPÍTULO III
DO TRABALHO, COMO CAUSA EFICIENTE DO DOMINIO DE PROPRIEDADE.
Os juriscorisultos modernos, seguindo os economistas, abandonaram quase todos a teoria da ocupação primitiva como deveras ruinosa, para se agarrarem exclusivamente à que faz nascer a propriedade do trabalho. Primeiro ela iludir-se e voltear num círculo. Para trabalhar é preciso ocupar, diz Cousin. Por conseguinte, disse por minha vez, sendo o direito de ocupar igual para todos, para trabalhar é preciso submeter-se à igualdade. Os ricos, admira-se Jean-Jacques, podem bem dizer: fui eu que construí o muro, ganhei o terreno com o meu trabalho. -Quem lhes deu os alinhamentos? podemos responder-lhes, por que razão pretendem ser pagos à nossa custa por um trabalho que de maneira nenhuma lhes impusemos?» Todos os sofismas se vêm quebrar contra este raciocínio.
Mas os adeptos do trabalho não se apercebem de que o seu sistema está em contradição absoluta com o Código, cujos artigos e disposições supõem a propriedade baseada no facto da ocupação primitiva. Se o trabalho, pela apropriação que daí resulta, dá origem por si só à propriedade, o Código Civil mente, a Carta é uma contra-verdade, todo o nosso sistema social uma vioIação do direito. É o que surgirá com a última evidência da discussão à qual nos propomos neste e no seguinte capítulo, tanto sobre o direito do trabalho como sobre o próprio facto da propriedade. Veremos, por um lado, a nossa legislação oposta a si própria, por outro a nova jurisprudência oposta ao seu princípio e à legislação.
Adiantei que o sistema que fundamenta a propriedade no trabalho implica, tanto como o que a baseia na ocupação, a igualdade de riquezas;
e o leitor deve estar impaciente por ver como farei sair essa lei de igualdade da desigualdade dos talentos e faculdades: será imediatamente satisfeito. Mas convém prestar um momento de atenção ao incidente notável do processo que é o da substituição do trabalho pela ocupação como princípio da propriedade; e passaremos rápidamente em revista alguns dos preconceitos que os proprietários costumam invocar, que a legislação consagra e que o sistema do trabalho destrói.
Já assistiu alguma vez, leitor, ao interrogatório de um acusado? Já lhe observou as manhas, os desvios, as fugas, as distinções, os equívocos? Batido, confundido em toda as alegações, perseguido como um animal selvagem pelo juiz inexorável, arrastado de hipótese em hipótese, afirma, desdiz-se, contradiz-se, esgota todos os estratagemas da dialéctica, mil vezes mais subtil e engenhoso que o que inventou as setenta e duas formas do silogismo. Assim faz o proprietário chamado para justificar o seu direito: primeiro recusa-se a responder, admira-se, ameaça, desafia; depois, forçado a aceitar o debate, couraça-se de rábulas, arma-se com uma artilharia formidável, cruzando os fogos, opondo ao mesmo tempo a ocupação, a posse, a prescrição, as convenções, o costume imemorial, o consentimento universal. Vencido nesse terreno o proprietário, como um javali ferido, muda de direcção: Fiz mais que ocupar, exclama, com uma terrível emoção, trabalhei, produzi, melhorei, transformei, CRIEI. Esta casa, estes campos, estas árvores são obra das minhas mãos: fui eu que transformei a selva com vinha, a sarça em figueira; sou eu que hoje semeio nas terras de fome. Embebi o solo com o meu suor, paguei a homens que, sem as jornas que ganhavam comigo, teriam morrido de fome. Ninguém me disputou as arrelias e as despesas, ninguém partilhará comigo.
Trabalhaste, proprietário! porquê então falavas de ocupação primitiva? Quê! não estavas seguro do teu direito o esperavas enganar os homens e iludir a justiça? Apressa-te a mostrar os teus meios de defesa, porque a sentença não terá apelo e sabes que se trata de restituição.
Trabaibaste! mas o que há de comum entre o trabalho, ao qual o dever te obriga, e a apropriação das coisas comuns? Ignoravas que o domínio do solo, assim como o do ar e da luz, não se pode prescrever?
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