sexta-feira, fevereiro 26, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Não temos o cuidado de rejeitar nenhuma Ideia, nenhum facto, com o pretexto de que já existiram pessoas mais hábeis do que nós que não deram conta desses fenómenos nem formularam as mesmas analogias. Porque não possuímos a mesma reserva quanto às questões de política e de filosofia? Porquê esta ridícula mania de afirmar que tudo foi dito, que tudo se conhece das coisas da inteligência e da moral? Porquê o provérbio Nada de novo sob o sol exclusivamente aplicado às pesquisas metafísicas?
É, precisamos dizê-lo, porque estamos ainda a fazer a filosofia com a nossa imaginação em vez de a fazer-mos com a observação e o método; é porque a fanta sia e a vontade foram tidas por árbitros em toda a parte em desfavor da razão e dos factos, que foi impossível, até hoje, distinguir o charlatão do filósofo, o sábio do impostor. Desde Salomão a Pitágoras a imaginação esgotou-se a adivinhar as leis sociais e psicológicas; foram propostos todos os sistemas: sob esse aspecto é provável que esteja tudo dito mas não é menos verdade que tudo resta por saber. Em política (para citar aqui só este ramo da filosofia), em política, cada um toma partido segundo a sua paixão e o seu interesse; o espírito submete-se ao que a vontade lhe impõe; não há ciência, nem sequer há um começo de certeza. Também a ignorância geral produz a tirania geral; e, enquanto que a liberdade de pensamento nos aparece escrita na Carta, a servidão do pensamento é decretada pela Carta sob o nome de preponderância das maiorias.
Para não ir além da prescrição civil de que fala o Código não iniciarei uma discussão sobre o fim de não-receber invocado pelos proprietários; seria demasiado fastidioso e declamatório. Qualquer um sabe que há direitos que não podem prescrever, e, quanto às coisas que se podem adquirir pelo lapso do tempo, ninguém ignora que a prescrição exige certas condições: quando falta uma, torna-se nula. Se é verdade, por exemplo, que a posse dos proprietários foi civil, pública, pacífica e contínua, também é verdade que lhe falta o título justo, visto que os únicos títulos que pode fazer valer, a ocupação e o trabalho, provam tanto a favor do proletário demandista como do proprietário defensor.
Para mais essa mesma posse está privada de boa fé, visto que tem por fundamento um erro de direito, erro esse que impede a prescrição, segundo a máxima de Paul: Nunquam in usucapionibus juris error possessori prodest. Aqui o erro de direito consiste quer no facto de o detentor possuir a titulo da propriedade, enquanto não pode possuir senão a título de usufruto; quer no de ter comprado uma coisa que ninguém tinha o direito de alienar ou vender.
Uma outra razão pela qual a prescrição não pode ser invocada a favor da propriedade, razão tirada da jurisprudência, é o direito de posse imobiliária que faz parte de um direito universal e nas épocas mais desastrosas da humanidade nunca pereceu completamente; basta aos proletários provar que sempre exerceram qualquer parte desse direito para serem reintegrados na totalidade. O que tem, por exemplo, o direito universal de possuir, dar, trocar, emprestar, alugar, vender, transformar ou destruir uma coisa, conserva esse direito completo pelo único acto de emprestar, mesmo que nunca tenha manifestado de outra maneira o seu poder; da mesma maneira veremos que a igualdade dos bens, a igualdade dos direitos, a liberdade, a vontade, a personalidade, são expressões idênticas que significam simplesmente o direito de conservação o desenvolvimento, numa palavra, o direito de viver, contra o qual a prescrição não pode começar a correr senão depois da desaparecimento das pessoas.
Enfim, quanto ao tempo exigido para prescrever seria supérfluo demonstrar que o direito de propriedade em geral não pode ser adquirido por uma posse de dez, vinte, com, mil, cem mil anos: e que, enquanto houver uma cabeça humana capaz de compreender e contestar o direito de propriedade, esse direito nunca prescreverá. Porque não deriva de um principio de jurisprudência, de um axioma da razão, mas de um facto acidental e contingente: a posse de um homem pode prescrever contra a posse de um outro homem; mas assim como o possuidor não saberia prescrever contra si próprio também a razão tem sempre a faculdade de se rever e reformar; o erro passado não a compromete para o futuro. A razão é eterna e sempre idêntica; a instituição da propriedade, obra da razão ignorante, talvez revogada pela razão melhor instruída: assim, a propriedade não pode estabelecer-se pela prescrição. Tudo isso é tão sólido e tão verdadeiro que é precisamente sobre esses fundamentos que se estabelece a máxima de que em matéria de prescrição o erro de direito não vale.

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