quarta-feira, março 03, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

Existem, no meio do território, enormes superficies de terra que não foram convertidas em propriedades individuais. Essas terras, que geralmente consistem em florestas, pertencem à massa da população e o governo, que recebe os lucros, emprega-os ou deve empregámos no interesse comum.»,
Deve empregá-los está bem dito; isso impede de mentir.
«Que sejam postos à venda...»
Porquê postos à venda? Quem tem o direito de os vender? Mesmo que a nação seja proprietária, pode a geração de hoje desapossar a geração de amanhã? O povo possui a título de usufruto; o governo rege, vigia, protege, faz os actos de justiça distributiva; se também concede terreno não o pode conceder senão para uso; não tem o direito de vender nem alienar seja o que for. Não tendo qualidade de proprietário, como poderia transmitir a propriedade?
«Que um industrial compre uma parte, uma vasta horta, por exemplo: aqui não haverá usurparão, visto que o público recebe o valor exacto das mãos do governo e fica tão rico depois da venda quanto o era antes.»
Isto torna-se ridículo. Quê! porque um ministro pródigo, imprudente ou inábil vende os bens do Estado sem que eu me possa opor a isso, eu, pupilo do Estado, eu que não tenho voz consultiva nem deliberativa no conselho de Estado, essa venda será boa e legal! Os tutores do povo dissipam-lhe o património e não há recurso! - Recebi, dizeis, das mãos do governo a minha parte do produto da venda: mas primeiro eu não queria vender e mesmo que o tivesse querido não poderia, não teria o direito. E depois não dei conta que essa venda me tenha dado proveito. Os meus tutores vestiram alguns soldados, repararam uma velha cidadela, erigiram, para seu orgulho, um monumento qualquer, caro e insignificante; depois lançaram fogo de artifício: o que é isso, em comparação com o que eu perdi?
O que adquire delimita as fronteiras, fecha-se e diz: Isto é meu, cada um em sua casa, cada um por si. Eis pois um espaço territorial no qual, a partir de hoje, não pode entrar ninguém a não ser o proprietário e os amigos do proprietário que não pode aproveitar a ninguém mais que ao proprietário e aos seus servos.
Que essas vendas se multipliquem e dentro em pouco o povo, que não pôde nem quis vender, que não tocou no produto da venda, não terá onde repousar, onde se abrigar, onde colher: Irá morrer de fome à porta do proprietário, no extremo da propriedade que foi a sua herança; e o proprietário dirá, vendo-o morrer: Assim perecem os preguiçosos e os palermas!
Para fazer aceitar a usurparão do proprietário Ch. Comte tenta rebaixar o valor das terras no momento da venda.
«É preciso tomar cuidado ao exagerar a importância destas usurpações: deve-se apreciá-las pelo número de homens que as terras ocupadas faziam viver e pelos meios que elas lhes forneciam. É evidente, por exemplo, que se a extensão de terra que hoje vale mil francos não valia senão cinco cêntimos quando foi usurpada, usurpou-se apenas o valor de cinco cêntimos. Uma Iégua quadrada de terra bastaria apenas para fazer viver um selvagem na miséria: hoje assegura meios de existência a mil pessoas. Há novecentas e noventa e nove partes que são propriedade legítima dos possuidores! não houve usurparão senão de um milésimo do valor.»
Um camponés acusava-se, em confissão, de ter destruído uma acta pela qual se reconhecia devedor de cem escudos. O confessor dizia: É preciso devolver esses cem escudos. - Não, respondeu o camponês, restituirei dois réis pela folha de papel.
O raciocínio de Ch. Comte parece-se com a boa fé deste camponês. O solo não só tem um valor integrante e actual, como também um valor de potência e de futuro, o qual depende da nossa habilidade em o fazer valer e em o trabalhar. Destruam uma carta de câmbio, um cheque, uma acta de constituição de rendas; como papel destroem um valor quase nulo; mas com esse papel destroem o vosso título e, perdendo-o, desapossam-se do bem que tinham. Destruam a terra ou, o que vai dar ao mesmo, vendam-na: não só alienam uma, duas ou várias colheitas como perdem todos os produtos que dela poderiam tirar vocês, os vossos filhos e os filhos dos vossos filhos.
Quando Ch. Comte, o apóstolo da propriedade e o panegirista do trabalho supõe uma alienação de torritório por parte do governo é preciso não julgar que ele faz essa suposição sem motivo e sem super-rogação; fazia-lhe falta.

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